Possíveis Recursos e Tecnologias Sociais que terapeutas ocupacionais podem utilizar no cotidiano de trabalho nos equipamentos do SUAS
Descrição da imagem: O fundo é dividido horizontalmente ao
meio nos tons pastéis amarelo e verde. Na parte superior esquerda o desenho de
uma lâmpada e ao lado direito o desenho de um fone de ouvido com um livro
dentro, ambos na cor laranja. Ao meio tem-se um retângulo preto com o título
“Possíveis Recursos e Tecnologias Sociais que Terapeutas Ocupacionais podem utilizar
no Cotidiano de Trabalho nos Equipamentos do SUAS” em laranja. Na parte
inferior esquerda o desenho de um homem e uma mulher sentados dialogando, e no
canto inferior direito os dizeres “Texto por: Ana Carolina de Souza Basso e
Waldez Cavalcante Bezerra”. #PraTodosVerem
Olá, pessoal! Na postagem de hoje
vamos conversar sobre possíveis Recursos e Tecnologias Sociais que terapeutas
ocupacionais podem utilizar no cotidiano de trabalho nos equipamentos do SUAS,
a partir da terapia ocupacional social. Para isto, apresentaremos uma cena
hipotética da prática profissional de uma terapeuta ocupacional que trabalha em
um CRAS, equipamento da Proteção Social Básica do SUAS. Vamos lá?
Eu não quero que esse menino e essa
menina se percam!
“Ah
mãe, para de encher meu saco!”, diz o filho inquieto após voltar para casa
depois de passar o dia na rua.
“Menino,
eu sou a sua mãe e você precisa se orientar!”. Repreende Márcia, já dando uns
tapas em Vitor, que tem 15 anos.
Márcia,
moradora de um bairro periférico de sua cidade, é divorciada e tem 2 filhos,
Vitor (15 anos) e Bia (3 anos). Josimar, pai das crianças, sumiu depois do
divórcio e não participa da criação dos filhos, assim como não paga pensão
alimentícia. Márcia trabalha como diarista e quando consegue trabalho precisa,
com muita dificuldade, pagar uma quantia em dinheiro para Elenilza (sua
vizinha) cuidar de Bia, já que ela não estuda e não tem com quem ficar durante
a ausência da mãe.
No território do CRAS de referência das famílias de Márcia e Elenilza há 273 famílias (ou 350 crianças e adolescentes) que estão descumprindo as condicionalidades do Programa Bolsa Família (PBF), de um total de 1.800 famílias que têm direito a este benefício. Dentre as situações mais frequentes de quebra das condicionalidades do PBF neste território está a questão das crianças e adolescentes que não estão frequentando a escola regularmente, como é também o caso de Jéssica, que tem 14 anos e é filha de Elenilza.
Tanto Márcia como Elenilza são acompanhadas pelo Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família (PAIF). A terapeuta ocupacional do CRAS realiza Oficinas de Atividades, Dinâmicas e Projetos junto às mães acompanhadas naquele serviço. Em uma dessas Oficinas de Atividades, Elenilza falou que Jéssica não demonstra interesse pela escola e tem reclamado de dores nos olhos. Afirmou, ainda, que não sabe mais como levá-la à escola e que a menina só quer ficar em casa sem fazer nada. Na ocasião, Márcia se identifica com a situação de Elenilza e desabafa, em relação ao seu filho Vitor: “Não quero ver meu filho entregue ao mundo, às drogas, à criminalidade. Eu preciso fazer alguma coisa. Ele não para mais em casa, não me respeita, largou os estudos.”
Diante desta cena, é possível
identificar algumas demandas de trabalho para a terapeuta ocupacional deste
CRAS:
Demandas em relação à Márcia e sua
família:
-
inserção
de Bia na creche, pois, apesar da não obrigatoriedade, ajudaria Márcia para
quando ela precisa sair para trabalhar;
-
reinserção
de Vitor na escola, cujo abandono levou à suspensão temporária do PBF;
-
compreender
as dificuldades de Márcia no relacionamento com Vitor.
Demandas em relação à Elenilza e sua
família:
-
compreender
a perda do interesse de Jéssica pela escola, que tem implicado em muitas faltas
escolares e pode levar à suspensão do PBF;
-
avaliar
a queixa de Jéssica de dor nos olhos, encaminhando para o serviço de saúde.
Demandas coletivas observadas:
-
desinteresse
das crianças e adolescentes do território pela escola;
-
grande
número de famílias com descumprimento de uma condicionalidade do PBF: frequência escolar.
A partir destas demandas,
exemplificamos agora possíveis Recursos e Tecnologias Sociais de trabalho para
a intervenção da terapeuta ocupacional que atua neste CRAS. Vejamos quais são
estes Recursos e Tecnologias Sociais, com base no que a terapia ocupacional
social vem desenvolvendo nos últimos anos, que possibilitam ações tanto
individuais quanto coletivas no contexto do SUAS:
Oficinas de Atividades, Dinâmicas e Projetos: são ações profissionais que
concebem as atividades como um recurso mediador do trabalho de aproximação,
acompanhamento, apreensão das demandas e fortalecimento dos sujeitos
individuais e coletivos, para os quais a terapeuta ocupacional direciona sua
ação. Busca possibilitar os fazeres compartilhados, despertando interesses
comuns, visando ao favorecimento da criação/ampliação e fortalecimento de redes
relacionais de suporte. Pode ser, por exemplo, uma estratégia para geração de
trabalho e renda; ou um recurso para a promoção da convivência, da autonomia e
da emancipação pessoal e social das participantes.
Acompanhamentos Singulares e Territoriais: são estratégias utilizadas que
possibilitam uma percepção e interação mais real do cotidiano e contexto de
vida dos sujeitos, interconectando suas histórias e percursos, sua situação
atual e sua rede de relações. Tais acompanhamentos partem da escuta atenta das
demandas de pessoas, grupos ou coletivos na direção do seu equacionamento.
Articulação de Recursos no Campo Social: compreende uma gama de ações
realizadas desde o plano individual, passando pelos grupos e coletivos, até os
níveis dos serviços, da política e da gestão. Ou seja, este trabalho envolve a
utilização dos recursos possíveis e disponíveis, compreendidos como
dispositivos financeiros, materiais, relacionais, afetivos, sejam eles micro ou
macrossociais, assim como os serviços, as associações informais, entre outros.
A articulação de todos estes agentes em prol da resolução de demandas compõe as
intervenções de terapeutas ocupacionais no campo social.
Dinamização da Rede de Serviços: visa mapear, divulgar e consolidar
todos os programas, projetos e serviços com o intuito de fomentar a interação e
a integração entre eles, articulando os diferentes setores e níveis de
intervenção. Envolve a articulação das redes setoriais e intersetoriais, assim
como redes informais.
Exemplifiquemos a utilização destes
Recursos e Tecnologias Sociais na cena apresentada:
A Dinamização da Rede de Serviços pode responder à necessidade de
interlocução com a creche para inserção de Bia, assim como com a escola para a
(re)matrícula de Vitor. Há também a demanda de interlocução com a Unidade
Básica de Saúde para que seja verificada a necessidade de acompanhamento de
Jéssica, que tem reclamado de dor nos olhos. Portanto, dinamizar a rede em prol
daquelas pessoas.
Em relação às demandas coletivas
apresentadas, que a escola também é corresponsável, a terapeuta ocupacional
pode lançar mão da Articulação de
Recursos no Campo Social e da construção de Oficinas de Atividades, Dinâmicas e Projetos. De que forma?
Construindo uma intervenção que, através da articulação com a escola e os
recursos que ela dispõe, a terapeuta ocupacional possa realizar ações do
Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) em parceria com a
equipe pedagógica da escola. O objetivo desta ação profissional envolveria
ressignificar a relação com a escola, buscar estratégias conjuntas entre os
dois equipamentos para tornar a escola mais atrativa, cujas atividades façam
sentido para os estudantes e que eles possam se sentir pertencentes e
protagonistas no espaço escolar. Esta ação, portanto, estaria voltada a todos
estudantes daquela escola, em uma perspectiva coletiva de compreensão dos
sentidos da escola para as crianças e jovens que a frequentam.
Outra demanda que a terapeuta
ocupacional do CRAS pôde notar, ao realizar uma Oficina de Atividade com as
mães, foi a dificuldade que Márcia tem tido na relação com Vitor. Esta situação
exemplifica como as Oficinas de
Atividades, Dinâmicas e Projetos podem ser uma estratégia importante para a
construção de vínculos e de espaço de compartilhamento das necessidades das
famílias que estão sendo acompanhadas, possibilitando a identificação de
demandas singulares. A partir da percepção de uma necessidade particular de
Márcia, a profissional pode iniciar Acompanhamentos
Territoriais e Singulares com ela e sua família, em uma perspectiva
intergeracional, que viabilizem o fortalecimento do vínculo entre os membros da
família, como por exemplo identificar os interesses comuns, promover atividades
a serem realizadas conjuntamente pela família, buscar formas mais efetivas de expressão
dos sentimentos e desejos dos membros da família. Além disso, parece pertinente
discutir e elaborar juntamente com Vitor possíveis projetos, com ações
participativas e dialogadas com seus interesses, valorizando os itinerários
educacionais, socioculturais e profissionais.
É importante destacar que estes são
alguns exemplos de ações profissionais diante de uma cena fictícia da prática.
Cada terapeuta ocupacional irá construir suas intervenções em contextos
concretos e de forma compartilhada com os usuários e a sua equipe de trabalho.
Reforçamos que os Recursos e Tecnologias Sociais em Terapia Ocupacional Social
são estratégias pertinentes e coerentes para construção do trabalho de
terapeutas ocupacionais no âmbito do SUAS.
Para aprofundar o conhecimento sobre
o tema, convidamos vocês a lerem os seguintes textos:
OLIVEIRA. M. L. MALFITANO, A. P. S.
O Sistema Único de Assistência Social e os trabalhadores na Política Nacional
Assistência social: um enfoque às terapeutas ocupacionais. Serv. Soc. Rev.,
Londrina, v. 24, n.1, p.148-169, jan/jun. 2021. http://dx.doi.org/10.5433/1679-4842.2020v23n1p148
LOPES, R. E. et al. O. Recursos e
tecnologia em Terapia Ocupacional Social: ações com jovens pobres na cidade.
Cad. Ter. Ocup. UFSCar, São Carlos, v. 22, n. 3, p. 591-602, 2014. http://dx.doi.org/10.4322/cto.2014.081
Texto escrito por:
Ana Carolina de Souza Basso[1] e
Waldez Cavalcante Bezerra[2].
[1] Professora do Curso de Terapia Ocupacional do Instituto
Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), doutoranda do Programa de Pós-graduação em
Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos (PPGTO-UFSCar).
[2] Professor do Curso de Terapia Ocupacional da Universidade
Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (UNCISAL), doutorando pelo Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
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