Espaço Meninas: Uma experiência de trabalho nas medidas socioeducativas em meio aberto.

 

Descrição da imagem: Em um fundo amarelo claro estão centralizados os dizeres “Espaço Meninas” em verde escuro. Abaixo, um balão de diálogo com fundo branco com os dizeres “Uma Experiência de Trabalho nas Medidas Socioeducativas em Meio Aberto”. No canto inferior direito o desenho de 3 punhos femininos erguidos. #PraTodosVerem

O projeto Espaço Meninas é uma experiência de intervenção no atendimento socioeducativo das medidas em meio aberto do Centro de Orientação ao Adolescente de Campinas (COMEC), em São Paulo. Trata-se de uma estratégia de ação, cujo objetivo principal é realizar atendimentos de adolescentes do gênero feminino e suas famílias, com vistas à emancipação e autonomia, favorecendo a (re)construção de projetos de vida distanciados das situações de violência.

Falar do papel da medida socioeducativa no universo feminino é considerar, acima de tudo, que há uma construção histórica, na qual o sexismo está muito presente. Há uma cultura baseada no senso comum sobre a fragilidade e amabilidade das mulheres, e, portanto, um rompimento desta imagem ao adentrarem no mundo do crime. Além da imagem pré-estabelecida, a prática de atos infracionais por mulheres percorre um rígido processo de hierarquização, no qual o masculino é muito mais valorizado (Aranzedo,2012; Torrão, 2005).

No sistema socioeducativo, em especial nas medidas em meio aberto, muitos programas ainda são desenhados e baseados nas experiências de meninos e homens jovens, e são usados para meninas e mulheres jovens, desconsiderando a singularidade do universo feminino, podendo silenciar ainda mais suas vozes. Sendo assim, reconhecendo e ampliando as questões de gênero e de orientação sexual, o projeto Espaço Meninas tem por finalidade validar as experiências das adolescentes e mulheres jovens, romper com o estereótipo de fragilidade, ofertar apoio/suporte para a superação de agressões e violências e propor conjuntamente a construção de um novo projeto de vida a partir de demandas reais. Mesmo que seja paradoxo e ambíguo, pelo caráter obrigatório do campo socioeducativo, atuamos para a abertura do campo do desejo, no qual adolescentes e orientadoras de medida constroem, pensam e definem o que é mais importante para a adolescente.

O número de adolescentes do gênero feminino em cumprimento da medida socioeducativa de liberdade assistida, segundo dados obtidos pelo banco de dados do COMEC, referente a outubro de 2020, representava 10% do total de casos atendidos. O perfil das adolescentes  revela que a maioria é negra, com renda familiar entre 1 e 2 salários mínimos, com faixa etária entre 16 e 17 anos, cumprem medida socioeducativa pelo ato infracional de tráfico de drogas seguido por roubo e furto, deixam de frequentar as aulas ainda no Ensino Fundamental entre o 6º e 8º ano, 24% chegaram na medida com filhos, 30% engravidaram durante o cumprimento da medida, 90% afirmam terem vivenciado algum tipo de violência, entre elas a física, verbal, psicológica ou sexual, tanto dentro como fora do seu ambiente familiar e 88% afirmam que já fizeram uso de alguma droga, legal ou ilegal.

A partir do perfil estabelecido, o projeto Espaço Meninas, utiliza como recursos: vivências artísticas, culturais e experimentações que ofereçam para as adolescentes a compreensão crítica de situações vivenciadas, além da ampliação de repertório. A metodologia de trabalho permite uma adequação das temáticas abordadas de acordo com as demandas que as adolescentes apresentam, sendo destaque, a influência das mídias sociais e a exposição das adolescentes neste contexto. Todavia, existem questões atemporais, que demandam investimento, entre elas: as infecções sexualmente transmissíveis, gravidez na adolescência, uso de drogas, violência de gênero, entre outros.

Contudo, a partir da prática institucional, fomos percebendo que para atender estas adolescentes não é suficiente identificar o perfil e elaborar um planejamento dos recursos metodológicos a serem desenvolvidos de forma condizente com as metas e os objetivos definidos, mas se pautar em alguns pressupostos fundamentais, tais como:

- Reconhecer as diferenças sociais de gênero, o racismo estrutural e o patriarcado;

- Fomentar ações de empoderamento feminino;

- Estimular a participação social;

- Reconhecer e validar a experiência das adolescentes;

- Realizar escuta para as situações de violência;

- Desenvolver espaço de confiança e segurança;

Cabe ressaltar que não se trata da criação de um espaço sem diálogo com o universo masculino e demais orientações sexuais, mas de favorecer um lugar definido para que a potência feminina possa ser trabalhada. As adolescentes são estimuladas a participarem além do Espaço Meninas de outras atividades dentro e fora serviço, que se somam na elaboração conjunta do plano individual de atendimento (PIA).

No COMEC e em especial neste projeto, a terapia ocupacional está inserida no contexto do trabalho em equipe e sempre compôs e integrou as atividades ao longo dos anos, mesmo havendo troca de profissionais. Portanto, nota-se institucionalmente uma legitimidade desta profissão no atendimento específico para o público feminino. Ou seja, apesar do trabalho multiprofissional e interdisciplinar, identifica-se algumas estratégias metodológicas específicas da formação da terapia ocupacional que podemos ressaltar por meio das ações:

- Reconhecer habilidades através das experiências vividas e realização das atividades;

- Permitir a escolha das atividades realizadas individualmente ou coletivamente;

- Estimular a interação grupal;

- Utilizar a atividade como condutor/disparador de processos e reflexões;

- Favorecer intervenção territorial;

- Realizar o acompanhamento em atividades externas e locais púbicos/comunitários.

Baseado nas autoras e terapeutas ocupacionais, Denise Dias Barros, Roseli Esquerdo Lopes e Sandra Maria Galheigo (2007), a terapia ocupacional social vem se configurando um campo crescente de intervenções, no qual o trabalho com garantia de direitos e exercício da cidadania deve identificar realidades, necessidades e maneiras pelas quais a população atendida compreende o mundo e o cotidiano em que vive. Portanto o Espaço Meninas configura-se numa alternativa a superação da violação de direitos das adolescentes e mulheres jovens em cumprimento de medida socioeducativas em meio aberto.

 

Texto escrito por Larissa Mazzotti Santamaria[1] e Débora Porto Maciel[2]

 

Referências Bibliográficas:

ARANZEDO, A. C. O envolvimento de meninas e mulheres jovens em atos infracionais. Tese (Doutorado de Psicologia), Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2012. 150p.

BARROS, D. D; LOPES, R. E; GALHEIGO, S. M. Terapia Ocupacional Social: Concepções e Perspectivas. In: CAVALCANTI, A; GALVÃO, C (Org.). Terapia Ocupacional: Fundamentação e Prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007, p. 347-352.

TORRÃO, A. F. Uma questão de gênero: onde o masculino e o feminino se cruzam. Cadernos Pagu 24, 2005, p. 127-152.

Para saber mais sobre o Espaço Meninas:

DANELUTTI, U.C.V. Espaço Meninas: Por uma arquitetura socioeducativa para as adolescentes em conflito com a lei.  São Paulo: UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO – UNIBAN BRASIL, 2010. 84p.

ESPAÇO MENINAS - Inclusão Social de Meninas em Liberdade Assistida. TRANSFORMA!, 2019. Disponível em: < https://transforma.fbb.org.br/tecnologia-social/espaco-meninas-inclusao-social-de-meninas-em-liberdade-assistida>. Acesso em: 09 de agosto de 2021. 

VIANNA, R. M. M. Contando histórias, reconstruindo significados e transformando vidas: um olhar para a liberdade assistida. Trabalho de conclusão de curso do Instituto de Terapia e Família e Comunidade de Campinas. Campinas, 2008.

 



[1] Terapeuta ocupacional e coordenadora do COMEC.

[2] Terapeuta ocupacional e orientadora de medida socioeducativa no COMEC


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