Juventudes e trajetórias de jovens populares urbanos: autonomia, oportunidades sociais e acesso a direitos
No Brasil,
dada a significativa desigualdade social, estudar as trajetórias de jovens
populares urbanos pode ser relevante para subsidiar a formulação e implementação de políticas
públicas e o desenvolvimento de tecnologias sociais e de cuidado a serem
utilizadas por trabalhadores sociais e da saúde.
A juventude
pode ser entendida formalmente como a transição entre a fase da infância e a
fase adulta. Segundo o Estatuto da Juventude, Lei 12.852/2013, de 05 de agosto
de 2013, são consideradas jovens as pessoas entre 15 e 29 anos (art.1º), sendo
que, dos 15 aos 18 anos, aplica-se a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 – o
Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990). Entretanto, pode ser
insuficiente definir a juventude apenas pelo critério de idade, já que outros
fatores, como as transformações biológicas, psicológicas, sociais e culturais
também interferem no processo de ser jovem (UNESCO, 2004).
Para Bourdieu (1983, p.152), "a
juventude e a velhice não são dadas, mas construídas socialmente" ou seja,
existem questionamentos sobre onde exatamente termina a juventude e onde
começa a vida adulta, sendo complexas as relações entre idade social e
biológica nas diferentes sociedades e culturas.
Segundo Pais
(2003), a juventude é uma categoria socialmente construída e que está sujeita a
mudanças ao longo do tempo e depende de circunstâncias políticas, econômicas e
sociais. Para este autor, determinadas fases da vida são reconhecidas quando,
em certos momentos históricos, essas fases são geradoras de problemas sociais.
Se um conjunto de características afeta um número considerável de indivíduos de
uma mesma geração, estas são incorporadas tornando-se modos de vida e
apresentam-se como expressão de determinadas questões sociais e então, a atenção
de poderes públicos é voltada para esse grupo. As medidas tomadas podem
influenciar diretamente na vida cotidiana desses indivíduos e no “timing” das
transições de uma fase para outra, como por exemplo, o retardamento ou ingresso
mais rápido do jovem na vida produtiva,
através do prolongamento da escolaridade ou dos programas de formação
profissional.
Nesse sentido,
há que se compreender a juventude na sua diversidade, constituída por
diferentes modos de ser jovem, dando ênfase a noção de juventudes, no plural,
tratando-se da condição juvenil
(DAYRELL, 2007). Dayrell (2007), em seus estudos sobre o jovem como
sujeito social, aponta que o indivíduo é ao mesmo tempo ser biológico e ser
social, colocando-se no limite entre a natureza e a cultura, e que ambas se influenciam mutuamente na produção humana. A constituição do ser
humano dependerá tanto do seu desenvolvimento biológico, especialmente do
sistema nervoso, mas também da qualidade das relações do meio social em que é
inserido. Ainda assim, devemos levar em consideração quando o indivíduo “é
proibido de ser”, quando se encontra em um contexto de privações, onde não lhe
é permitido desenvolver suas potencialidades e viver plenamente sua condição
humana. Destaca que não é que não sejam sujeitos em sua totalidade, mas
sobrevivem com os recursos dos quais dispõem. E acrescenta que talvez estejam
mostrando um jeito próprio de viver.
Para Dayrell,
a adolescência não pode ser entendida como um tempo que termina, como a fase da
crise ou de trânsito entre a infância e a vida adulta, entendida como a última
meta da maturidade. Mas, representa
o momento do início da juventude, um momento cujo núcleo central é constituído
de mudanças do corpo, dos afetos, das referências sociais e relacionais. Um
momento no qual se vive de forma mais intensa um conjunto de transformações que
vão estar presentes, de algum modo, ao longo da vida (DAYRELL, 2003, p.42).
Weisheimer
(2013) ainda destaca que a transitoriedade está presente em todas as fases da
vida, portanto, torna-se incompleta a definição de juventude como ideia de
transição para a vida adulta. Se por um lado, a maturidade vai se construindo
na passagem para a vida adulta, caracterizada pela saída da condição de
estudante para a de trabalhador, e pela saída da família de origem para a
constituição de uma nova família, por outro lado, há que se considerar as
diferenças produzidas pelos contextos socioculturais onde os jovens estão
inseridos.
Assim, o
estudo das trajetórias juvenis requer compreendê-las em relação às modificações
do tempo histórico bem como às transições singulares das histórias de vida dos
sujeitos. Muitas vezes, na medida em que as trajetórias vão se construindo, há
ritmos diferenciados na transição para a vida adulta, seja pela entrada
antecipada do jovem no mundo do trabalho, por um filho que chega antes dos
planos, pelas escolhas pessoais por ele realizadas ou por sua limitação de
acesso a direitos. No caso de jovens em situação de vulnerabilidade social, o
trabalho formal ou informal pode começar cedo, coexistir com a escola ou até
resultar na interrupção dos estudos. A transição do jovem para a vida adulta é
frequentemente associada a um momento de escolhas, de elaboração de projetos de
vida e de perspectivas de futuro. Entretanto, as trajetórias juvenis dependem
do contexto social em que os jovens estão inseridos, e podem se transformar à
medida que estes amadurecem ou que novas possibilidades surgem (DAYRELL, 1999). Ou seja, a
trajetória de vida do jovem pode se transformar de forma planejada ou
acidental, conforme a existência de oportunidades ou obstáculos sociais.
Ainda, um
tópico importante, quando se estudam trajetórias juvenis no contemporâneo é
compreendê-las em sua
relação com o tempo e o lugar e seu constante processo de mudanças. O tempo no
contemporâneo não é necessariamente linear e não é coincidente com o tempo
interno de cada pessoa. Melucci (2007) se refere ao tempo de duas maneiras, a
primeira, comparada à máquina, por exemplo, o relógio, com medidas exatas,
definidas pelo ciclo do dia e da noite; um tempo que não é regido pelas
experiências pessoais. O outro modo tem caráter subjetivo e se refere a um fim.
Ou seja, "existe (…) uma unidade e uma orientação linear do tempo; e o que
ocorre nele, o que o indivíduo experimenta, adquire sentido em relação ao ponto
final: todas as passagens intermediárias são medidas em relação com o final do
tempo" (MELUCCI,
2007, p 34). Para o autor, há tempos diluídos ou concentrados, fragmentados ou
muito difíceis de serem medidos, tendo-se em consideração a sociedade em que
vivemos hoje, onde as informações e possibilidades de vida são muitas, as
escolhas são reversíveis e as mudanças constantes.
Para Melucci
(2007), as mudanças são uma característica estável do ciclo evolutivo dos
indivíduos. Na vida contemporânea, as transformações são frequentes e rápidas.
A velocidade das informações e sua troca global pode trazer para os jovens uma
relação com o tempo e o espaço, onde se misturam singularidade e
universalidade. Os diferentes modos de ser e de viver, que acontecem em
variados contextos sociais, culturais e políticos, acabam influenciando os
processos identitários juvenis. Para Furlong e Cartmel (2007), o espaço perde o
seu significado, já que a comunicação atravessa fronteiras por novos meios,
tornando o lugar em “fantasmagórico” (GIDDENS, 1991 apud FURLONG; CARTMEL, 2007, p. 143). Assim, ao mesmo tempo em que os jovens estão
situados em um determinado território, seu acesso ao mundo, através da
internet, por exemplo, pode lhes permitir uma compreensão, local e global,
diferenciada da vida bem como um conjunto de novas aspirações e perspectivas.
Também é importante considerar que, com frequência se compreende a trajetória
juvenil tomando-se como referência o mundo adulto. Dessa maneira, entende-se
que ser adulto é o fim, o projeto futuro, perdendo sentido, as ações presentes
(DAYRELL, 2007). Esse
modo de pensar faz com que o jovem seja visto de maneira negativa, como alguém
que ainda não está pronto, e não a partir dos modos como constroem suas
experiências.
No Brasil,
segundo Dayrell, a incerteza está presente no cotidiano dos jovens populares
urbanos que, ao serem expostos a condições de vulnerabilidade, têm menores
possibilidades de saber o que há por vir em suas vidas. Para a grande maioria
desses jovens, a transição aparece como um labirinto, obrigando-os a uma busca
constante de articular os princípios de realidade (o que posso fazer?), do dever (o que devo fazer?) e do
querer (o que quero fazer?), colocando-os diante de encruzilhadas onde jogam a
vida e o futuro (PAIS apud DAYRELL, 2003).
Ainda, outro
tópico a destacar refere-se a ideia de que tornar-se adulto é atingir autonomia
de vida e estabilidade, pois, segundo Weisheimer (2013, p.100), “com o desemprego tornando-se cada vez
mais uma categoria estrutural da subordinação do trabalho ao capital, reduzir a
condição de adulto à autonomia financeira implicaria considerarmos que esta
poderá nunca se realizar para parcelas cada vez maiores da humanidade, que não
conseguem se inserir no mercado de trabalho”. Ou ainda, que se faça de muitas idas e vindas, conforme nos
aponta Pais (2003), o
efeito da geração “yo-yo”, referindo-se a esse processo de reversibilidade e
inconstância.
Conhecer as
trajetórias juvenis traz elementos para poder compreender quais os caminhos que
os jovens têm identificado como possíveis de percorrer e em que contextos eles
ocorrem. Há uma dupla tensão nesse percurso, no sentido de, ao mesmo tempo em
que esses jovens devem se tornar responsáveis e autônomos, a própria realidade
em que se encontram, muitas vezes não os permite concretizar esta autonomia. Como já dito
anteriormente, também não se trata de um processo linear e constante, mas, ao
contrário, de idas e vindas, de frequentes mudanças, de movimento, além de
representarem a reprodução de estruturas e processos sociais.
Essas formas
de compreender modos singulares de vida e de experiências dos jovens, de sua
heterogeneidade, faz-se necessária dada a diversidade de condições de inserção
social que configuram a sociedade. Segundo Pais, “não há uma forma de transição
para a vida adulta: haverá várias, como várias serão as formas de ser jovem
(segundo a origem social, o sexo, o habitat, etc.) ou de ser adulto” (PAIS, 2003, p.44).
O entendimento
de transição como processo biográfico coloca o jovem como ator principal desse
processo, compreendendo a transição a partir de uma perspectiva microssocial,
mas que está diretamente ligada ao macrossocial, já que está sujeita às
condições sociais, aos tempos históricos e à diversidade cultural. Para Thomson
(2007), o processo de contar as histórias pessoais para os outros e para si
mesmo, é fundamental para a construção de um projeto autorreflexivo. O uso de
narrativas permite a invenção e reinvenção de si mesmo e pode possibilitar a
própria transformação de sua vida.
Texto escrito por: Tâmara Harumi Yamagute Rosa - baseado na dissertação de mestrado sob orientação
da Prof. Dra. Sandra Maria Galheigo, São Paulo, 2018.
Para acessar a dissertação completa, acesse o link: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/5/5170/tde-02082018-085411/
Referências Bibliográficas:
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apenas uma palavra, Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Editora Marco Zero
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DAYRELL, Juarez. JESUS, R.
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9
WEISHEIMER, Nilson. A construção
social da juventude, Sociologia da Juventude, Curitiba: Intersaberes; 2013,
p.13.
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