Costurando possibilidades durante a pandemia: relato de atividades em um CRAS de Uberaba – MG


 Descrição da imagem: fundo verde-claro, ao centro escrito: Costurando possibilidades durante a pandemia: relato de atividades em um CRAS de Uberaba – MG. No canto inferior esquerdo e no canto superior direito a imagem de bordados e pinturas. #pratodosverem

A pandemia de Covid-19 afetou a população brasileira em diferentes dimensões, exigindo a ampliação dos esforços de setores como a saúde, a previdência social e a assistência social. Após quase dois anos da declaração oficial sobre a emergência em saúde pública (de março de 2020), as consequências da pandemia se relacionam a um processo de agravamento da pobreza, desigualdade social e das múltiplas vulnerabilidades nas dimensões materiais e relacionais, aprofundando uma desproteção social preexistente (Lívia PAN, et al, 2021, p.2). Neste cenário, destaca-se o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) como uma estrutura essencial para fazer frente aos complexos desafios que se colocam atualmente (PAN, L. C. et al, 2021, p. 5). 

Assim, a presente postagem narra uma experiência desenvolvida durante a pandemia, em um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), uma unidade estruturante no âmbito da Proteção Social Básica (PSB), com papel de atuar na prevenção e acompanhamento de "situações de vulnerabilidades e riscos sociais nos territórios, por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, e da ampliação do acesso aos direitos de cidadania" (BRASIL, 2009, p.9). 

A ação relatada é fruto da parceria entre um CRAS, localizado em Uberaba-MG, e uma equipe de onze discentes e uma docente do Curso de Graduação em Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), no ano de 2021. Como mencionado, a ação esteve contextualizada no período pandêmico, durante a recomendação de distanciamento social e consequentemente em um momento de suspensão das atividades coletivas nos serviços. 

Tendo em vista a impossibilidade da realização de ações grupais na unidade, emergiu a proposta de promover encontros virtuais com alguns dos grupos preexistentes do CRAS, utilizando estratégias remotas, por meio do Whatsappâ e do Google Meetâ. Foram selecionados três grupos para o desenvolvimento das atividades, sendo dois deles com o público idoso vinculado ao Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV) e um com as pessoas cadastradas no Programa Banco de Alimentos. Este texto apresenta especificamente o relato das ações com o Banco de Alimentos. 

Enfatiza-se que foram consideradas as inúmeras limitações das ferramentas virtuais para alcançar as pessoas acompanhadas pelo CRAS, mas ainda assim, optou-se por lançar mão deste recurso, acreditando que pudesse ser um movimento disparador para a retomada gradual das ações, amenizando, provisoriamente, alguns dos impactos do distanciamento social prolongado. Ainda, vale destacar que quaisquer ações na modalidade remota não visaram substituir a atuação presencial, pois, entende-se que a relação, a escuta e o contato, o vínculo e a convivência, são estratégias primordiais da ação técnica terapêutico-ocupacional na assistência social e que requerem intervenções presenciais.

O trabalho foi desenvolvido entre os meses de setembro e dezembro de 2021, em encontros remotos semanais, com duração de uma hora e meia cada, no período da tarde (com exceção da última atividade que aconteceu de forma presencial, nas dependências do CRAS).  Seguindo os pressupostos da Terapia Ocupacional Social, foram realizadas oficinas de atividades, dinâmicas e projetos (Roseli E. LOPES, et al., 2014) adaptadas para o formato virtual, com objetivos de possibilitar a reaproximação entre as pessoas cadastradas no Banco de Alimentos, criar espaços de convivências e trocas, apoiar o resgate e o fortalecimento dos vínculos entre os usuários e com a equipe, favorecer a rede de apoio comunitária e o pertencimento ao grupo. 

Inicialmente, a técnica de referência do CRAS viabilizou um grupo no WhatsAppâ, integrando a equipe de terapia ocupacional e as pessoas cadastradas no Banco de Alimentos que se disponibilizaram a participar (treze pessoas). Utilizando esse recurso, foi realizada uma rodada de apresentações, por meio de vídeos curtos gravados pelo celular, os quais possibilitaram a aproximação inicial entre as/os participantes e a equipe. Na sequência, foram propostas dinâmicas para o compartilhamento de fragmentos dos cotidianos das/os usuárias/os, por fotos e gravações de áudios. Estas trocas permitiram a compreensão sobre alguns dos elementos que compõe o dia a dia das/dos integrantes, deram pistas sobre as preferências pessoais e consequentemente subsidiaram o planejamento para as próximas atividades. 

Através deste grupo de WhatsAppâ a equipe mantinha cotidianamente um diálogo com as pessoas, as quais foram gradualmente se sentindo à vontade para ali se expressarem. Em decorrência desta articulação, foi possível buscar a aproximação com os usuários que não conseguiam, por algum motivo, comparecer aos encontros remotos. Cabe mencionar, que embora a iniciativa promovesse maior participação, deparamo-nos com dificuldades variadas de acesso e comunicação no uso dos recursos virtuais. 

Nas oficinas virtuais síncronas, via Google Meetâ, foram propostas ações para dar continuidade ao processo de apreensão e partilha sobre a diversidade das vivências pandêmicas, bem como a aproximação dos contextos/realidades de vida, (re)estabelecendo gradualmente contato entre as/os usuárias/os. Desenvolveram-se atividades que envolveram contação de histórias, jogos, dinâmicas e a confecção de uma colcha de retalhos. Observou-se que as oficinas virtuais foram se constituindo como espaços para o encontro, para compartilhamentos de histórias de vida e para escuta. Emergiram também debates e reivindicações sobre as redes de atenção e cuidado que foram acolhidas e direcionadas pelo grupo/equipe. 

Neste relato, destacaremos a elaboração da colcha de retalhos pelo seu processo de construção, o qual resultou em uma maior mobilização das/dos participantes. Resgata-se que no terceiro momento síncrono, a proposta foi coletivamente escolhida pelo grupo, constituindo-se então como um fio condutor dos encontros. Nas semanas posteriores à escolha, elaboraram-se estratégias para viabilizar a atividade, sendo inicialmente montados “kits”, pela equipe de terapia ocupacional, contendo materiais para a confecção dos “retalhos” pessoais (tecidos, linha, papéis e caneta). Nesta etapa, incluíram-se todas as pessoas cadastradas no Banco de Alimentos, independente da participação, ou não, nas atividades virtuais (aproximadamente 23 usuárias/os).

Os kits foram entregues no CRAS, de forma individual, pela psicóloga (técnica responsável pelo Banco de Alimentos) que retomava as orientações aos participantes, particularmente para aqueles que não estavam acompanhando as atividades remotas. Essa mediação foi bastante relevante para o envolvimento de todos. 

A colcha foi discutida e construída nos encontros síncronos até as semanas finais do ano, quando os usuários entregaram suas produções, levando junto com elas, as histórias das criações. Uma das participantes do grupo costurou os retalhos, formando a Colcha ou Mural, como alguns adotaram chamar. 

Na finalização das atividades, em dezembro, realizou-se um encontro presencial, no CRAS, momento em que foi sugerida uma dinâmica para conhecerem a Colcha finalizada com o conjunto dos retalhos, apresentações pessoais dos trabalhos e reflexões sobre o processo. 

Observou-se que a elaboração dos retalhos foi um convite para uma construção em família, com relatos da participação dos filhos e netos. Para alguns, representou a retomada de atividades que há muito tempo não se fazia; e para outros, um novo desafio para se transpor a percepção de que “não se tem nada a contribuir”. Identificamos também nas devolutivas, as menções sobre vínculos e pertencimento grupal, e a articulação entre a soma das “partes” da colcha refletida na experiência daquele coletivo que voltava a se encontrar.





Pelos relatos, identificou-se que esse processo favoreceu as trocas entre as/os usuárias/os, possibilitou a retomada de relações entre os participantes e a proximidade com o CRAS, como uma referência de apoio social. Buscou-se, neste sentido, contribuir para o reestabelecimento dos vínculos e consequentemente para um fortalecimento das redes sociais de suporte.  Ao longo do processo verificamos que algumas/uns das/dos usuárias/os e suas famílias poderiam se beneficiar de acompanhamentos singulares e territoriais, bem como de maiores articulações com o campo social (LOPES, et al., 2016); ações discutidas com a técnica parceira. 

Embora o relato abarque uma ação breve e específica, acredita-se que possa ter se configurado como uma contribuição para a manutenção e/ou retomada do acompanhamento com as/os usuários e suas famílias, neste período de isolamento social. Concluímos assim, que a ação teve um caráter pontual e emergiu do exercício de buscar estratégias de acompanhamento e cuidado das famílias, durante os desafios colocados na pandemia. Salienta-se que as próximas ações grupais desenvolvidas pela equipe do CRAS em questão caminham para uma retomada presencial gradual.

 

Texto escrito pelas/os discentes, docente e técnica do CRAS que estiveram envolvidas/os na ação:

Amanda Limieri

Ana Elisa Lanzoni Chaves

Andreza Vieira Simolini

Daniele Galetti Figueiredo

Giovana Maria Morotti Schwertner

Helena Marinho Rocha

Joyce Aparecida Souza Abél

Júlia Augusta Soares

Lorenzo Cardoso Gonçalves

Maisa Oliveira Zangiacomi Martinez

Tainá de Paula Severino

Marina Leandrini de Oliveira

Patrícia Beatriz de Freitas Costa

Referências

BRASIL. Orientações técnicas: Centro de Referência de Assistência Social. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. – 1. ed. – Brasília, 2009. 72 p. 

CHAGAS, J.N.M.; BARROS, D.D.; ALMEIDA, M.A.; COSTA, S. L. Terapia Ocupacional na Assistência Social - José Naum de Mesquita Chagas, Denise Dias Barros, Marta Carvalho Almeida, Samira Lima de (orgs)- Rio de Janeiro, RJ CREFITO2, 2015. 

LOPES, R. E.; MALFITANO, A. P. S.; SILVA, C. R.; BORBA, P. L. de O. Recursos e tecnologias em Terapia Ocupacional Social: ações com jovens pobres na cidade. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional[S. l.], v. 22, n. 3, 2014. DOI: 10.4322/cto.2014.081.  

PAN, L. C. et al. Proteção social e experiências terapêuticoocupacionais: a vida na pandemia de Covid-19. Interface- Comunicação, Saúde, Educação, v. 25, 2021.

 


Comentários