Me dê o que é meu por direito: a invisibilidade das comunidades quilombolas nas políticas públicas brasileiras
Ilustração
realizada por Ananda Santana (2015)
Esta postagem é fruto da pesquisa de
mestrado de Amanda Pereira, intitulada “Racismo e justiça ocupacional: construção de
identidade e engajamento ocupacional de mulheres negras quilombolas”. O
estudo objetivou investigar o impacto do racismo nas ocupações cotidianas de
mulheres quilombolas.
Foi realizada uma pesquisa
participativa no quilombo rural, intitulado quilombo da Pinguela, localizado no
município de Amélia Rodrigues, Bahia (PEREIRA, 2022). A pesquisa foi
desenvolvida entre janeiro e abril de 2021. Participaram do estudo nove
mulheres negras quilombolas com idades entre 22 e 56 anos. Trata-se de uma
pesquisa de abordagem qualitativa, combinada com metodologia visual.
Durante o período da escravidão no
Brasil, a população negra escravizada escapava das senzalas e se refugiava nos
quilombos, palavra de origem da língua banto, que significa acampamento ou
fortaleza (NASCIMENTO, 2016). Os quilombos tornaram-se espaços de luta e de
resistência contra a escravidão, mas cabe ressaltar que mesmo com o término
oficial da escravidão no século XIX, ainda nos dias atuais os quilombos
brasileiros são alvo de perseguições do Estado, da sociedade e das instituições
(PEREIRA, 2022).
Embora os quilombos estejam
incluídos na Constituição de 1988, constantemente a identidade quilombola
desses grupos não é reconhecida, bem como as comunidades quilombolas têm seus
direitos violados. Isso fica evidente na fala de Eunice (nome fictício),
participante do estudo, quando revela que os profissionais que atuavam no
Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) se recusaram a incluir os
dados das famílias do quilombo da Pinguela no Cadastro Único:
[...] No
Bolsa Família a gente foi se inscrever, todo mundo levou o documento [...], mas
a gente nunca entrou no Bolsa Família como quilombola (Eunice).
Em 2015 a Fundação Cultural Palmares
emitiu a certidão de autodefinição de comunidade remanescente de quilombo,
reconhecendo assim a Comunidade da Pinguela como remanescente dos quilombos. No
entanto, apesar de possuírem a certidão, as mulheres quilombolas referem que
têm seus direitos negados nos serviços socioassistenciais, pois sua identidade
quilombola é desvalorizada e inferiorizada pelas políticas e agentes públicos
(PEREIRA, 2022).
Obviamente esta é uma manifestação
de racismo, pois nas hierarquias de poder a identidade quilombola é subalternizada
e invisibilizada (PEREIRA, 2022), embora o regramento jurídico diga o
contrário. A Política Nacional de Assistência Social prevê a garantia dos
direitos socioassistenciais aos povos e comunidades tradicionais, ou seja,
indígenas, caiçaras, quilombolas, ribeirinhas, rurais, ciganos, pescadores,
entre outros (BRASIL, 2007; 2016). Nessa direção, o II Plano Decenal de
Assistência Social (2016-2026) garante o respeito pela diversidade e preconiza
o atendimento humanizado, independente da etnia, religião, orientação sexual,
classe social e gênero dos sujeitos atendidos (BRASIL, 2016). Entretanto,
apesar de terem os direitos garantidos por lei, os moradores das comunidades
quilombolas cotidianamente têm seus direitos violados, devido ao racismo.
Entre as mulheres do quilombo da
Pinguela evidencia-se um forte senso de coletividade. Elas mantêm uma rede de
apoio que consolida o suporte mútuo e adotam estratégias em favor dos direitos
e pela preservação dos saberes afro-brasileiros. O trabalho mostrou que o racismo
impossibilita o desempenho ocupacional, a saúde e o bem-estar. Ressaltamos que
este tema precisa ser abordado pelos profissionais ligados ao atendimento à
população, para evitar a perpetuação da subordinação desses grupos. “Na prática
profissional é necessário que esses profissionais, a partir de cada lócus de enunciação, assumam o
compromisso ético-político e adotem uma perspectiva crítica e contra-hegemônica
com ênfase nas práticas coletivas como formas de intervenção”
(PEREIRA; ALLEGRETTI; MAGALHÃES, no
prelo).
Referências:
BRASIL. Decreto-lei
n° 6.040, de 07 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional para o
Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais. Brasília, DF:
Presidência da república, 2007. Disponível em 207 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2007/d4887.htm.
Acesso em: 26 jun. 2022.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à
Fome - MDS. Secretária Nacional de Assistência Social. II Plano Decenal da Assistência Social (2016-2026): proteção social
para todos/as os/as brasileiros/as. Brasília - DF, 2016. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/II_Plano_Decenal_AssistenciaSocial.pdf. Acesso em: 26 jun.2022.
NASCIMENTO, Beatriz. O
conceito de quilombo e a resistência cultural negra. In: RATTS, A (Org.).
Eu sou Atlântica. São Paulo: Imprensa Oficial/Kuanza, 2016.
PEREIRA, Amanda dos Santos. Racismo e justiça ocupacional: Construção de identidade e engajamento
ocupacional de mulheres negras quilombolas. 2022. (Dissertação de
mestrado). Programa de Pós-Graduação em Terapia Ocupacional, Universidade
Federal de São Carlos, 2022.
PEREIRA, Amanda dos Santos.; ALLEGRETTI, Maitê Menegazzo.;
MAGALHÃES, Lilian. Nós, mulheres quilombolas, sabemos a dor uma da outra: uma
investigação sobre sororidade e ocupação. Cadernos
Brasileiros de Terapia Ocupacional (no prelo).
O trabalho pode ser lido na íntegra por
meio do link: https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/15775/Disserta%c3%a7%c3%a3o.pdf?sequence=1&isAllowed=y
Texto
coletivo escrito por: Ma. Amanda dos Santos Pereira e Profa. Dra.
Lilian Magalhães
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