O acompanhamento de jovens após a medida socioeducativa: interrogações sobre a rede de apoio necessária

 


Descrição de imagem: Fundo da imagem é uma folha de papel quadriculado. Acima, na lateral esquerda, imagem com três livros nas cores amarelo, verde e laranja seguido por uma luminária na cor preta. Na parte superior centralizada, a frase nas cores verde, laranja e branco: "Resumo dos trabalhos apresentados no evento TO.no SUAS Diálogos Contemporâneos". Na parte inferior centralizado o título: "O acompanhamento de jovens após a medida socioeducativa: interrogações sobre a rede de apoio necessária ." #Pratodosverem


No Brasil, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) é responsável pelo acompanhamento das medidas socioeducativas em meio aberto aplicadas a adolescentes e jovens a quem foram atribuídos atos infracionais, com vistas a contribuir para a ressignificação de valores em sua vida pessoal e social e com a responsabilização sobre o ato infracional. Nesse processo, deve ser assegurado e promovido o exercício de direitos desses jovens, sendo sua  efetividade associada ao trabalho em rede, cuja construção se dá pela interlocução e prática conjugada com serviços e políticas que compõem o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente. Conforme normativas, após a extinção judicial da medida socioeducativa deve haver seguimento do processo com foco na prevenção à reincidência no ato infracional, no fortalecimento da função protetiva das famílias e na articulação de redes de suporte, a fim de garantir a continuidade da proteção social e do acesso a direitos. Contudo, segundo levantamentos de órgãos gestores, o acompanhamento “pós-medida” tem sido realizado insatisfatoriamente, deixando desconhecidas as necessidades de apoio que persistem ou que se constituem nesse período (BRASIL, 2020).

Partindo do interesse de uma equipe de trabalhadores de uma Organização Social conveniada ao SUAS do município de São Paulo – disposta a enfrentar dilemas e questões sobre o período “pós-medida” - foi construído projeto de estudo do tipo pesquisa-ação (THIOLLENT, 1985). que reuniu pesquisadores e estudantes de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo a essa equipe. As reflexões produzidas no percurso de planejamento da pesquisa mostraram significados atribuídos pela equipe ao seu próprio trabalho e a necessidade que sentiam de interpretá-los à luz das oportunidades e dificuldades vividas pelos jovens após o acompanhamento ofertado pela equipe.

Assim, o estudo planejado - e atualmente em andamento - visa conhecer aspectos essenciais da vida cotidiana, das relações sociais e dos cenários de interação dos jovens egressos do período de 2016 a 2020, com o propósito de integrá-los à compreensão de demandas novas ou persistentes na esfera da proteção social e na garantia de direitos desses jovens. Neste trabalho, apresentamos resultados parciais e refletimos sobre suas relações com o trabalho em rede ou, ainda, com a relevância de se construir ações  intersetoriais no campo da socioeducação.

O  processo de elaboração da pesquisa tem se dado em diálogo com os membros da equipe, que podem debater e escolher objetivos e caminhos para a produção de conhecimentos.  O método de estudo prevê a realização de entrevistas em profundidade com jovens que tiveram a medida socioeducativa extinta, bem como a realização de estudos de caso de 10% dos entrevistados. A equipe do serviço terá participação em todas as fases.

Levantando o motivo de encerramento da medida de 532 jovens/adolescentes atendidos pelo SMSE-MA no do período (2016 a 2020), foram constatados 8 óbitos e observou-se que os 3 motivos de saída prevalentes foram: extinção com 46,04%; seguido por apreensão com 40,01% e transferência com 08,05%.

No total, 247 adolescentes/jovens tiveram a medida extinta no período de 2016 a 2020 e vem sendo convidados para a fase de entrevistas.

Dentre estes, 91,9% são do gênero masculino e 8,1% do sexo feminino.

 



Entre os 247 jovens que estão sendo convidados para as entrevistas, a maior parte foi acompanhada entre os 16 e 18 anos (73,6%) e esteve cumprindo a medida de Liberdade Assistida (LA) (64,8 %) ou de LA associada à Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) (21,09%). Apenas 13,4% cumpriram unicamente a medida de PSC.

 



 

O período de cumprimento da medida variou entre 8 e 18 meses para 66,6% deles e 79,03% tiveram a medida extinta quando tinham entre 17 e 19 anos.



 No momento em que iniciaram o acompanhamento 70,71% já apresentavam distorção idade-série de 2 anos ou mais, o que evidencia a necessidade de que, logo de início, o trabalho em rede envolva de modo intensivo e continuado as escolas nas quais esses jovens estudam.

A definição de situação de distorção idade-série envolve aqueles que tem dois ou mais anos de atraso escolar, considerando uma relação adequada entre ano/série escolar e idade.

 

 


A distorção idade-série pode ainda indicar riscos quanto às oportunidades de entrada desses adolescentes e jovens ao mercado de trabalho, tendo em vista que Spósito e Carrano (2007) apontaram que os jovens que saem antes do tempo do sistema educativo para entrar no mercado de trabalho com baixos níveis de educação formal têm acesso aos piores empregos, geralmente no setor de baixa produtividade, e com baixos salários.

Vale ressaltar que esses dados correspondem ao nível de formação desses adolescentes e jovens no momento em que eles entraram no serviço. Portanto, cabe às entrevistas resgatar informações atualizadas para possíveis análises de educação e atual situação de trabalho entre os participantes da pesquisa.

Além da situação de distorção idade-série, nota-se que  85,2% dos 203 jovens maiores de 16 anos que tiveram sua medida extinta não tinham tido experiências de educação profissional.

 

 



As famílias atendidas pelo Centro Assistencial Cruz de Malta residem, em sua maioria, em moradias localizadas em aglomerados subnormais, instaladas em áreas insalubres, sem saneamento básico e sujeitas a sérios riscos, principalmente incêndios e enchentes, além da alta vulnerabilidade ao tráfico de drogas e à violência. (TEIXEIRA, 2014/2015).

De acordo com a análise e caracterização dos vazios assistenciais de 2014/2015, a Subprefeitura do Jabaquara (região em que a maioria dos adolescentes e jovens do SMSE-MA  residem) possui mais de 14.000 famílias cadastradas no CadÚnico, sendo que, destas, 11.996 tem renda de até ½ salário mínimo. Totalizavam 4.575 os beneficiários de Programas de Transferência de Renda.

         Considerando as próximas fases da pesquisa, acredita-se que as entrevistas possam contribuir para a compreensão da intersecção de fatores que interferem na vida desses jovens e, consequentemente, de indicações mais precisas sobre a necessidade de ações que partam do SMSE e se conectem com outros setores.

Entretanto, os dados levantados até agora e identificados acima indicam que é possível afirmar a grande relevância de ações intersetoriais no processo socioeducativo, levando em conta a necessidade de criação de um processo duradouro de abertura e manutenção de oportunidades de desenvolvimento dos jovens que cumprem medida socioeducativa, bem como o apoio a suas famílias. Em síntese, nota-se  que a precariedade social e econômica do território em que residem, a prevalência da situação de distorção idade-série e a falta de contato dos jovens de 16 anos ou mais com experiências profissionalizantes nos oferecem um cenário que evidenciam a necessidade de conexão entre o SMSE e outros equipamentos do Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes. Se a esfera da educação e da profissionalização vinculada ao alcance do “trabalho decente” são imprescindíveis nessa articulação de ações, também os demais serviços do SUAS se mostram fundamentais, envolvendo a garantia das seguranças de sobrevivência, acolhida e de convívio familiar, preconizadas na Política Nacional de Assistência Social.

Em outras palavras, nos parece claro que é necessário que durante o período de execução das medidas socioeducativas invista-se em ações planejadas para que tenham duração e repercussões para além dessa fração de tempo, com vista à produção de resultados à médio e longo prazos. 

 

Referências Bibliográficas:

BRASIL. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Pesquisa de avaliação do SINASE. Eixo 4: Resultados do SINASE. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Centro de Estudos Internacionais sobre Governo. Porto Alegre: 2020.

THIOLLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. 18ed. São Paulo: Editora Cortez, 1985.

SPÓSITO, M.; CARRANO, P. C. Juventude e políticas públicas. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 24, set./dez. 2007.

TEIXEIRA, C. et al. ANALISE E CARACTERIZAÇÃO DOS VAZIOS SOCIOASSISTENCIAIS - ATUALIZAÇÃO. Coordenadoria do observatório de políticas sociais Secretaria Municipal da Assistência e desenvolvimentoSocial. São Paulo 2014/2015. Disponível em: <https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/assistencia_social/arquivos/Cops/Pesquisa/vazios_socioassistenciais_2014-2015.pdf>. Acesso em: 28 maio. 2022.

 

Texto escrito por:  

Amanda Aparecida Jussiani Alves Santos; Carla Regina Silva Soares; Marta Carvalho de Almeida.

E-mail: jussianiamanda@usp.br; carla-soares@usp.br; mcarmei@usp.br.  

Filiação Institucional: Universidade de São Paulo

Comentários