Serenata da Saudade: Relato de Experiência de uma Ação no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Idosos
Os
Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), compõem a Proteção
Social Básica, na forma organizativa da Política de Assistência Social
brasileira. Ele deve atuar no campo das vivências relacionais e buscar promover
fortalecimento de vínculos sociais e comunitários como forma de proteção
social. Deve incentivar a segurança de convívio, necessidade humana de estar em
relação com outro e com seu entorno, grupos sociais, comunidade e território
(BRASIL, 2012).
As
atividades dos SCFV são realizadas em grupos, a partir dos ciclos de vida, tais
como infância, adolescência, idade adulta e terceira idade.
O
artigo trata de um relato de experiência deste serviço com idosos. Nesse
sentido, vale ressaltar que, o processo de envelhecimento humano pode acarretar
uma vulnerabilidade relacional, ligada às diferenças entre gerações,
afastamento de atividades produtivas e mudanças nos papeis sociais dos sujeitos
(BRASIL, 2012).
A
equipe do CRAS de Patrocínio Paulista/SP, a qual referencia o SCFV para idosos
deste município, é composta por Terapeuta Ocupacional, Psicólogo, Assistente
Social, Auxiliares Administrativos, e, em momentos de reflexão sobre o serviço,
problematizou a situação deste momento atual durante as reuniões de equipe:
Como
promover convivência mediante uma pandemia, que prevê [como medida de
enfrentamento] o isolamento social?
A
pandemia da COVID-19, exigiu adaptação das atividades coletivas presenciais
para estratégias em formato remoto, com utilização de ferramentas digitais e
meios de comunicação (UNICEF, CONGEMAS, 2020), contudo a população idosa possui
pouco ou nenhum acesso a essas tecnologias.
Ao
perceber o sofrimento dos idosos, mediante o isolamento social, já que estavam
acostumados a participar dos encontros presenciais do serviço, e para parte
deles, estes eram os únicos espaços de socialização, a equipe reconheceu a
necessidade de mudar as estratégias com vistas a superar os impactos da
pandemia. Nesse sentido, o contato presencial foi mantido, em forma de
acompanhamentos individuais, contudo, sentiu-se necessidade de novas
intervenções a fim de comemorar o Dia do Idoso – 01/10 (BRASIL, 2006), data
esta, tradicionalmente marcada por algum evento junto ao coletivo neste
município.
Em
planejamento da ação, a equipe fez um “brainstorm”
e, espontaneamente, cada profissional, a partir de suas habilidades pessoais,
propôs uma “Serenata da Saudade”, na casa dos idosos participantes do serviço.
A
profissional que executa a função de auxiliar administrativo criou uma poesia,
que retrata o processo de envelhecimento como valorização da experiência. A
terapeuta ocupacional tocou violão e a assistente social puxou o coro da música
escolhida com o cuidado de que fosse uma canção que eles conhecessem e que
pudesse retratar o momento atual vivido por todos nós. A música escolhida foi
“Amor Perfeito”, composta por Roberto Carlos.
As
serenatas, então, aconteceram nas portas das casas dos idosos. Ao chegar na
casa, os mesmos eram chamados e, quando apareciam no portão, a serenata
acontecia... Os idosos ficaram muito surpresos e emocionados, sobretudo no
trecho: “sinto falta de você”. Alguns
cantavam juntos, outros choravam de emoção. Em seguida, era declamada a poesia
e entregue uma cópia impressa para eles.
Podemos
observar que a intervenção possibilitou a vivência de uma experiência que
atingiu os participantes, no sentido daquilo que Bondía (2002) refere como
aquilo que “nos passa”, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos
atravessar, nos forma e nos transforma. Isso foi possível notar a partir da
reação dos participantes, como sorrisos, lágrimas e cantos.
A
ação também pôde mostrar aos membros do grupo o seu pertencimento àquele
coletivo, a partir de sua identidade e vínculos presentes, apesar do
distanciamento social.
Ademais,
a presença no território, especificamente para a Terapia Ocupacional, tem se
configurado como estratégia de ação e construção de políticas públicas sociais,
conforme preconiza as Orientações Técnicas dos CRAS, no seu importante papel na
gestão do território. Assim, os serviços mantêm-se próximos ao seu público,
fisicamente e contextualmente, levando em consideração aspectos sociais,
históricos, econômicos, políticos e culturais de um determinado lugar. Com
isso, compreende-se melhor as relações estabelecidas e os modos de vida que se
configuram, valores, redes de apoio, potências e fragilidades (BORBA et al,
2017).
Foi
possível notar que o uso de recursos artísticos, como música e poesia, além da
presença no território, configurou-se como potente estratégia para a promoção
de experiência aos idosos, bem como para estimular a superação dos impactos do
isolamento social. A interdisciplinaridade da equipe foi indispensável para
elaboração e execução da atividade, ferramenta também essencial para a atuação
da terapia ocupacional no campo social.
Referências
BONDÍA, J.L. Notas sobre
a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, 2002.
Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/Ycc5QDzZKcYVspCNspZVDxC/?format=pdf&lang=pt.
BRASIL. Serviço de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Pessoas Idosas – Orientações Técnicas.
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Brasília, 2012.
BRASIL. Lei n. 11.433 de
28 de dezembro de 2006. Dispõe sobre o Dia Nacional do Idoso. 2006.
UNICEF; COLEGIADO
NACIONAL DE GESTORES MUNICIPAIS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL - CONGEMAS. Contribuições
para a adaptação e o aprimoramento dos serviços de proteção social básica do
SUAS no contexto de calamidade, emergência e pandemia da COVID-19. 2020.
Disponível em: www.unicef.org/brazil/media/12741/file/servicos-do-suas-nas-emergencias-e-pandemia-da-covid-19.pdf.
Texto escrito por Aline
Cristina de Morais - Terapeuta Ocupacional do CRAS
Revisado por Amanda Mendes
Silva Cintra - Psicóloga do CRAS
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