Jornal “Na Medida”: uma estratégia junto a adolescentes e jovens em cumprimento de medida socioeducativa em tempos pandêmicos
Descrição da imagem: No fundo verde claro tem-se na lateral
esquerda 4 setas animadas em cor laranja indicando o desenho de um jornal. O
jornal denominado “Jornal “Na Medida””, tem em destaque o título “Uma
estratégia junto a adolescentes e jovens em cumprimento de medida
socioeducativa em tempos pandêmicos”. #PraTodosVerem
Desde 2018, o curso de graduação em Terapia Ocupacional do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo mantém parceria com um Serviço de Medida Socioeducativa em Meio Aberto (SMSE-MA) da zona sul da cidade de São Paulo para desenvolvimento das atividades de ensino prático. Ao longo desse tempo, 5 turmas de estudantes já realizaram as atividades da disciplina de Estágio Supervisionado em Terapia Ocupacional no Campo Social nesse espaço.
As medidas socioeducativas são determinadas judicialmente e são previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em seis modalidades: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade e internação em estabelecimento educacional (BRASIL, 1990).
A Liberdade Assistida e a Prestação de Serviços à Comunidade são medidas socioeducativas realizadas em meio aberto (sem privação de liberdade) (BRASIL, 1990). Na cidade de São Paulo, assim como em outros municípios brasileiros (BRASIL, 2018), a execução do serviço de medida socioeducativa em meio aberto, o acompanhamento e a orientação da medida socioeducativa junto ao adolescente e jovem é de responsabilidade do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Os SMSE-MA devem estar afinados com os princípios do SUAS, e tem como finalidade a promoção do caráter socioeducativo e da efetivação dos direitos dos adolescentes durante o cumprimento da medida socioeducativa (BRASIL, 2016).
Em
2020 e 2021, o contexto pandêmico exigiu grande esforço de inovação e criação
de novas estratégias para manutenção do contato, do vínculo e do acompanhamento
dos adolescentes e jovens em cumprimento de medida socioeducativa, diante da dificuldade
de sustentação do trabalho no formato remoto ou híbrido. Esse formato está
sendo estabelecido pelo sistema judiciário, de modo que o SMSE-MA deve seguir
as determinações e aguardar a retomada dos atendimentos presenciais individuais
e em grupo. Contudo, além de enfraquecer o engajamento dos adolescentes e
jovens no cumprimento da medida socioeducativa, a modalidade remota tem imposto
diversos desafios, intensificados devido às condições socioeconômicas dos
adolescentes atendidos e a impossibilidade de acesso à internet, bem como à
dispositivos digitais, marcando assim, mais um agravo a uma série de violações
de direitos já sofridas.
Dentre
as estratégias elaboradas, foi proposto um projeto de jornal e do podcast “Na
Medida”, com objetivo de ampliar a interação dos adolescentes e jovens com a
equipe técnica, com o serviço e com a medida socioeducativa em si. Além de
estimular o desenvolvimento do protagonismo juvenil na realização de atividades
que abordem temas de interesse dos jovens, adotando novas linguagens. Nesse
artigo, vamos contar especificamente a experiência do jornal.
Tendo
como planejamento publicarmos a primeira edição no final de maio/2021, mês de
celebração do trabalhador e das mulheres, a equipe técnica e as estagiárias organizaram
uma pauta, distribuindo as tarefas de acordo com os interesses e as características
que conheciam de cada adolescente convidado a participar na construção do jornal.
Sabíamos que nesta primeira edição, a participação dos profissionais seria
fundamental para dar sustentação à proposta e envolver os adolescentes gradativamente
na elaboração.
Em
geral, os adolescentes aceitaram as tarefas delegadas, sendo que duas sugeriram
uma contraproposta, apresentando sugestões de temas e formatos que gostariam de
alterar. Essa oportunidade de diálogo e interação foi essencial para que a
elaboração do jornal pudesse promover aos adolescentes e jovens a
experimentação de outras possibilidades de se colocarem no mundo, tendo em
vista seus desejos, interesses e aquilo que fazia sentido para eles.
Contamos
com a participação de seis adolescentes, sendo cinco do gênero feminino e um do
gênero masculino. Três adolescentes fizeram entrevistas com mulheres
trabalhadoras enquanto as demais realizaram atividades correspondentes às
outras seções do jornal.
Uma
das adolescentes optou por entrevistar duas trabalhadoras dos serviços da
assistência social que frequenta: o Serviço de Medida Socioeducativa e o
Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes. Ela tinha
interesse em abordar aspectos referentes à dinâmica dos serviços e como os
adolescentes que o frequentam são atendidos.
À
outra adolescente foi proposto que contasse o que estava acontecendo no seu território
de moradia durante o período da pandemia. No entanto, ela manifestou interesse
em fazer algo relacionado ao esporte. Considerando a junção entre as temáticas
mulher, trabalho e esporte, propomos que ela entrevistasse uma árbitra de
futebol que trabalha em projetos esportivos há mais de vinte anos. No decorrer
da entrevista, apesar de nervosa a adolescente teve uma ótima desenvoltura.
Muito apropriada das questões, encontrou brechas e fez perguntas que não
estavam no roteiro, além de abordar outras questões que a interessavam no
diálogo com a árbitra, se experimentando nesse espaço de condução da
entrevista.
A
terceira adolescente entrevistou a própria mãe. A interação com ela foi
realizada exclusivamente por dispositivos móveis e aplicativos de conversa e a
adolescente contribuiu com uma reflexão muito importante sobre mulheres que são
mães e trabalhadoras e necessitam executar dupla e às vezes, tripla jornada.
Para
além das entrevistas, uma adolescente escreveu uma coluna sobre uma das
pesquisadoras responsáveis pelo sequenciamento do genoma do vírus SARS-CO-V-2,
responsável pela infecção de Covid-19. Essa pesquisa implicou na criação da
seção “Personalidade do mês”, com o objetivo de chamar a atenção para as
mulheres na ciência, especialmente uma mulher negra e nordestina, abordando o
protagonismo da população negra.
Concluindo
a edição, contamos com a participação de um adolescente na ilustração de capa e
com o relato elaborado por uma outra adolescente sobre sua experiência de saída
da medida de internação atrelada à pandemia, compondo a seção “Cotidiano”.
O lançamento do jornal e do podcast ocorreu no dia 1º
de junho de 2021 em uma live para os trabalhadores da rede, composta
pelo gerente do serviço e pelos técnicos responsáveis pelos projetos. O intuito
era compartilhar com os colegas o processo vivido, assim como os desafios e as
potencialidades experimentadas, reforçando o objetivo de estimular o protagonismo
dos adolescentes e jovens nesses novos projetos e em outras formas de estar
junto.
A
proposta de elaboração do jornal e o podcast nos remetem ao que Lopes et al.
(2014) descrevem sobre os recursos e as tecnologias da Terapia Ocupacional
Social, especialmente quando pontuam sobre dinâmicas, projetos e atividades. O
objetivo é promover espaço de experimentação de si e em conjunto com outros
adolescentes, pensar a projetualidade e ampliar a "possibilidade de vida
cotidiana, os diferentes sentidos e significados que os sujeitos em ação podem
designar ou imprimir segundo a sua vivência pessoal” (p. 595). Isto é, deslocar
suas experiências para lugares outros de potência, na vivência de outros papéis
e assunção de protagonismo dos seus fazeres.
O
desenvolvimento mensal do jornal e podcast tem exigido bastante trabalho e
sinergia de todos os envolvidos. Compreendemos que existem possibilidades e
limitações de participação dos adolescentes e jovens, considerando o agravamento
das vulnerabilidades resultante do período pandêmico. Nesse sentido,
ressaltamos a importância de entendermos as condições reais de vida dos jovens em
cumprimento da medida socioeducativa e suas possibilidades. Alguns adolescentes
estão vivenciando maiores tensões, seja na organização da dinâmica familiar,
inclusão escolar e/ou na necessidade de exercer alguma atividade de trabalho, limitando
a participação no jornal por conta de outras prioridades de acompanhamento.
Assim, observamos que o vínculo entre adolescentes e a equipe técnica é
essencial para a percepção de quais demandas necessitam de maior atenção em
cada momento.
Salientamos
ainda, que um novo projeto exige maior engajamento daqueles que o propõe, sendo
o compartilhamento das tarefas e responsabilidades construído ao longo do
processo. Ainda que a equipe técnica e as estagiárias tenham assumido tarefas
nesse momento inicial, o intuito é que estas sejam cada vez mais assumidas e
protagonizadas pelos adolescentes e jovens, pois entendemos a importância e a
riqueza de experimentarem um processo de responsabilidades compartilhadas com
outros jovens e com adultos, que se apoiam e se sustentam na vivência das
dificuldades e das conquistas.
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Referências
BRASIL.
Lei Federal n. 8069, de 13 de julho de 1990. ECA - Estatuto da Criança e
do Adolescente.
BRASIL.
Ministério do Desenvolvimento Social. Pesquisa Medida Socioeducativa em Meio
Aberto. Secretaria Nacional de Assistência Social / Departamento de Gestão
do SUAS / Departamento de Proteção Social Especial. Brasília, 2018. Acesso em jul/2020.
Disponível em < http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/relatorios/Medidas_Socioeducativas_em_Meio_Aberto.pdf
>.
BRASIL.
Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário. Caderno de Orientações
Técnicas: Serviço de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto. Secretaria
Nacional de Assistência Social. Brasília, Distrito Federal: 2016. Acesso em
jul/2020. Disponível em < http://blog.mds.gov.br/redesuas/wp-content/uploads/2019/05/caderno_MSE_0712.pdf
>.
LOPES,
Roseli Esquerdo et al. Recursos e tecnologias em Terapia Ocupacional Social:
ações com jovens pobres na cidade. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional,
v.22, n 3, 2014. Acesso em jul/2020. Disponível em < http://www.cadernosdeterapiaocupacional.ufscar.br/index.php/cadernos/article/view/1114
>.
Texto
escrito por: Vitória Silvia Santos (discente do curso de
Terapia Ocupacional da USP/SP e estagiária do SMSE-MA) e Carla Regina Silva
Soares.
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