A Terapia Ocupacional e as ações junto ao Sistema Único de Assistência Social da região da Grande Vitória

 

Descrição da Imagem: Fundo com imagem de tijolos de cor bege. Nas laterais enfentes de riscos verticais nas cores verde escuro, terra e amarelo escuro. No centro, uma composição de três fotos. Uma vertical com adolescentes sentados em mesas, uma horizontal, a foto de um grupo de idosos em baixo e uma árvore e a outra foto horizontal abaixo, um grupo de adolescentes sentados em roda. Na parte inferior da imagem, segue um fundo retangular verde escuro, com 4 circulos laranjas pequenos nas pontas com o título “ A Terapia Ocupacional e as ações junto ao Sistema Único de Assistência Social da Região da Grande Vitória – ES”. #PraTodosVerem

A Política Nacional de Assistência Social (PNAS), publicada em 2004, expressou a materialidade da assistência social como pilar do sistema de proteção social brasileiro no âmbito da seguridade social, pautando a garantia dos direitos sociais e o combate às violações e violências que acometem a população brasileira (BRASIL, 2004). Logo após a sua publicação, no ano de 2005, foi implementado o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), que ordenou os seus serviços em um sistema público único, descentralizado e não contributivo; permitindo concretizar as políticas públicas da área (BRASIL, 2005).

Em 2011, a Resolução nº 17 do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) reconheceu formalmente, dentre outras categorias profissionais, a terapia ocupacional como parte das equipes de referência e/ou da gestão dos equipamentos do SUAS (BRASIL, 2011). Esse passo, além de ter sido importante para o reconhecimento da categoria neste sistema, refletiu a sua participação organizada no processo de discussão que buscou definir quem deveriam ser os trabalhadores do SUAS (Marta Carvalho de ALMEIDA et al, 2012).

A partir do ano de 2011, houve um aumento progressivo de terapeutas ocupacionais no SUAS no cenário nacional (Marina Leandrini de OLIVEIRA; Roberta Justel do PINHO; Ana Paula Serrata MALFITANO, 2019). Com relação ao estado do Espírito Santo, segundo os dados disponíveis na plataforma pública Censo SUAS, no ano de 2019, puderem ser contabilizadas(os) 35 terapeutas ocupacionais no SUAS, estando 15 delas(es) nos Centros Dia, 12 nos Centros de Referência Especializados da Assistência Social (CREAS), sete nas Unidades de Acolhimento (Abrigos e Residências Inclusivas) e uma no Centro Pop. Destas(es) 35 terapeutas ocupacionais, 13 podem ser encontradas(os) no município de Vitória, ES, sendo distribuídas(os) da seguinte maneira: sete nos CREAS, quatro nas Unidades de Acolhimento e dois nos Centros Dia. A maioria delas(es), portanto, podem ser encontradas(os) nos CREAS e não há profissional localizada(o) nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) do município, ressaltando a necessidade de ampliarmos a inserção profissional para estes equipamentos.

Levando em consideração a inexistência de terapeutas ocupacionais nos CRAS, em agosto do ano de 2016, foi criado no Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) um projeto de extensão com o objetivo de realizar ações nos equipamentos da assistência social da Grande Vitória, possibilitando às(aos) estudantes de terapia ocupacional a formação no âmbito do SUAS. Além disso, objetiva apresentar as metodologias de trabalho da terapia ocupacional social e divulgar a categoria nas unidades socioassistenciais.

Nossa parceria se deu com o CRAS Claudionor Lopes Pereira, equipamento pertencente à proteção básica do SUAS no município de Vitória, Espírito Santo, na região de Maruípe, próximo ao campus da universidade onde se localiza o curso de Terapia Ocupacional. Após a realização da parceria, foram realizados diversos debates sobre as ações que poderiam ser propostas pelo projeto.

O CRAS da região de Maruípe é um entre os doze existentes no município, abrangendo os seguintes bairros: Santa Cecília, São Cristóvão, Santos Dumont, Tabuazeiro, Bonfim e Maruípe. Registrava-se, em setembro/2021, um total de 7.610 famílias ativas cadastradas no Sistema de Gerenciamento da Atenção à Família (SIGAF), o que demonstra uma grande demanda para acesso aos serviços socioassistenciais.

Além da oferta do Serviço de Atendimento Integral à Família (PAIF), o CRAS também oferta o Serviço de Convivência para Jovens de 15 a 17 anos. Esse serviço é ofertado de forma complementar ao trabalho social com famílias, pautado na defesa e afirmação de direitos e no desenvolvimento de capacidades e potencialidades dos usuários, com vistas ao alcance de alternativas para o enfrentamento das expressões da questão social.

Desde a criação do projeto, esse campo contou com a coordenação de dois docentes, supervisão de uma terapeuta ocupacional da universidade e orientação de duas docentes, tendo recebido diversas estudantes extensionistas e estagiárias do curso de Terapia Ocupacional. Todas as ações aconteceram (e acontecem) mediante reuniões de planejamentos e também avaliação do encontro anterior. No caso das estagiárias, uma vez a cada quinze dias, havia uma orientação com a(o) professora/professor do curso responsável pelo estágio.

As ações realizadas pelo projeto

No início da parceria entre o CRAS e a UFES, a coordenação do CRAS nos colocou que no território havia uma grande quantidade de idosas(os) em vulnerabilidade social, com perfil para acessar o Benefício de Prestação Continuada (BPC). A partir desta informação, propusemos intervir junto a estas(es) idosas(os) e seus familiares por meio de um grupo.

O “Grupo do BPC” passou a ocorrer com periodicidade quinzenal, com a presença de uma profissional da equipe do CRAS, uma terapeuta ocupacional da UFES, estagiárias e extensionistas, sendo parte do PAIF desenvolvido pela unidade socioassistencial.  As participantes eram idosas, em sua maioria mulheres, pertencentes ao território, beneficiárias ou solicitantes do BPC. Com o passar do tempo, o grupo passou a ter também como público alvo as pessoas com deficiência com perfil para requerer o benefício em questão. 

Nos encontros realizados surgiram diversas demandas: relatos de situações de conflitos e/ou negligência; falta de conhecimento e informação a respeito dos serviços formais e informais do território e de seus direitos e formas de acesso; e questões relacionadas ao lazer. Com a identificação das demandas do grupo, individuais ou coletivas, foi possível também identificar as potencialidades e escolha das temáticas de preferência das participantes.

Por meio de diversas metodologias, como rodas de conversa, atividades e dinâmicas expressivas corporais e lúdicas, construção de mapa territorial e atividades que extrapolaram os muros da instituição foi possível promover espaço para o reconhecimento e exercício da convivência, da autonomia, da cidadania, do respeito, da valorização de história de vida e memória social.

Durante este processo, as participantes do grupo relataram se sentirem pertencentes ao serviço, com discursos sobre o reconhecimento de seus direitos e deveres e com o compromisso de passarem as informações para outros membros da comunidade.


Legenda: Foto de um passeio realizado com idosas(os) do Grupo do BPC do CRAS da região de Maruípe, em Vitória, ES

 

Outra demanda colocada pela equipe do CRAS, ainda relacionada à população idosa, consistiu na sobrecarga e na fragilização da rede de suporte de cuidadoras(es) de pessoas idosas naquele território. A partir desta questão, o projeto propôs as oficinas “Cuidando de quem cuida”, com periodicidade mensal para facilitar a adesão das(os) participantes.

O objetivo desta ação era oportunizar um espaço de reflexão, autoconhecimento, convivência, trocas e orientações para as(os) cuidadoras(es), com vistas a diminuir a sobrecarga vivenciada e prevenir situações de violação de direitos dos idosos cuidados por elas(es).

Com o desenvolvimento das oficinas, as participantes, em sua maioria mulheres, trouxeram diversos relatos sobre como estavam conseguindo exercer o cuidado com mais leveza, articulando com outras pessoas de suas redes de relações a divisão de tarefas que envolvessem o cotidiano dos idosos cuidados. Passaram a traçar projetos de vida para além do papel social de cuidadoras e vislumbrar outras possibilidades de vida.

Além disso, a partir de 2018, houve a aproximação da terapia ocupacional com as ações do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para adolescentes de 15 a 17 anos, mais conhecido como ProJovem. As ações específicas junto ao ProJovem Adolescente aconteciam de forma concomitante às demais propostas da terapia ocupacional vinculadas ao CRAS, como a realização de acompanhamentos sistemáticos tanto individuais quanto familiares, visitas domiciliares e acompanhamento e mapeamento territorial.

 O serviço era executado por uma educadora social que planejava as atividades e coordenava os grupos. Além desta educadora social, as ações começaram a serem planejadas e executadas também em conjunto com a terapeuta ocupacional e as estagiárias de terapia ocupacional.

Parte dos objetivos deste serviço no CRAS da região de Maruípe era prevenir a violação dos direitos das(os) adolescentes, trabalhar o fortalecimento da rede de suporte social e territorial e propiciar a constituição e/ou fortalecimento de vínculos entre as(os) adolescentes acompanhadas(os), seus familiares e o serviço. Trabalhar tais aspectos se faz muito importante porque, em geral, as(os) participantes do ProJovem são adolescentes que vivenciam situações complexas de pobreza, de violências e questões étnico-raciais, além de outros marcadores sociais da diferença.

Durante as ações, foram abordados diferentes temas que diziam sobre as vivências das(os) próprias(os) adolescentes participantes do grupo, como a gravidez de uma adolescente, fato que iniciou a discussão sobre projetos de vida e maternidade. Além disso, temas como orientação sexual e a falta de aceitação das famílias, diversidade religiosa, violências vivenciadas cotidianamente nos territórios e a relação com a polícia foram abordados ao longo do processo.

As metodologias utilizadas nos encontros variavam entre rodas de conversas, confecção de cartazes, debates a partir de músicas, filmes e charges, atividades lúdicas e passeios, onde eram explorados tanto espaços do próprio território, como parques e praças, e também locais que não faziam parte dos itinerários cotidianos dessas(es) adolescentes, como exposições em museus, passeios em parques aquáticos, praias, dentre outros.

Esta diversidade de ações contribuiu para a ampliação da perspectiva de que o ProJovem almejaria “apenas” à inserção das(os) adolescentes no mercado de trabalho, como ainda pensam alguns profissionais. Este serviço tem uma efetiva contribuição para o acompanhamento das realidades e dos contextos vivenciados pelas(os) adolescentes, contribuindo para o acesso aos direitos sociais e o exercício da cidadania.

Por fim, as ações realizadas pela equipe de terapia ocupacional no PAIF e ProJovem ampliaram-se para o território a partir da necessidade verificada de uma atenção mais integrada e articulada em rede para determinadas famílias em situação de pobreza. Com isso, foram realizadas junto à equipe, visitas domiciliares com o intuito de conhecer as realidades e contextos familiares e acessar as principais demandas da população, além de aproximar a rede de proteção, articular e integrar setorialmente outros serviços e equipamentos e à comunidade.

Foto de oficina realizada no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Adolescentes de 15 a 17 anos no CRAS da região de Maruípe, em Vitória, ES

 

As visitas domiciliares aconteciam semanalmente ou quinzenalmente, a depender da necessidade dos casos e de cada contexto e dinâmica familiar. Os acompanhamentos foram realizados por psicólogas e/ou assistentes sociais, pela terapeuta ocupacional da UFES e estagiária e aconteceram em todos os territórios referenciados ao CRAS.

A metodologia utilizada pela equipe de terapia ocupacional foi o Acompanhamento Singular Territorial e Comunitário, com o levantamento de informações necessárias do contexto singular e social da comunidade e da família para a discussão e encaminhamento dos casos junto a equipe da instituição. 

Destacou-se a importância da dinamização das redes de atenção dos indivíduos, pois foram identificadas dificuldades de acesso aos direitos básicos de educação, saúde, transporte, moradia, alimentação e lazer, havendo, assim, notadamente, a necessidade de um trabalho junto a esses diferentes setores.

As visitas realizadas possibilitaram contribuir para a qualidade de vida, a independência e a autonomia, de forma a ressignificar as relações sociais e familiares no território, além de fortalecer e ampliar o repertório ocupacional e os projetos de vida. Ademais, impactaram na diminuição dos índices de risco social e violação de direitos; na ampliação do acesso aos serviços socioassistenciais, evidenciando as potencialidades do território por meio da apropriação dos espaços de vida e recursos desconhecidos.

O processo evidenciou, ainda, que a(o) terapeuta ocupacional amplia e diversifica as áreas de conhecimento das equipes no âmbito do PAIF e ProJovem, integrando instrumentos teóricos metodológicos específicos da terapia ocupacional social aos instrumentos do serviço social, da psicologia, da pedagogia, e outros, possibilitando a implantação de novos recursos para o atendimento individual, familiar e comunitário.

Todas as ações relatadas aconteceram presencialmente, antes da pandemia da CoVid-19. A partir do início da pandemia no Brasil, em março de 2020, com a adoção das medidas de distanciamento social e mediante as orientações da UFES, as atividades presenciais do projeto foram interrompidas e ainda não foram retomadas até o momento da publicação deste artigo. Desde então, o grupo vem se organizando com acompanhamentos remotos e ações de apoio ao CRAS, com vistas a prevenir a ruptura das redes sociais de suporte e informar sobre as medidas de prevenção à CoVid-19.

Foto de oficina realizada no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para Adolescentes de 15 a 17 anos no CRAS da região de Maruípe, em Vitória, ES

 

Com relação aos acompanhamentos remotos, o projeto tem focado em ações com os adolescentes do ProJovem por haver maior possibilidade de interações virtuais com este público, embora muitas dificuldades de acesso à tecnologia e à internet se coloquem neste processo. Nosso foco junto às(aos) adolescentes tem sido a realização de um mapeamento dos talentos do território de Maruípe para posterior divulgação destes fazeres nas redes sociais do projeto, como uma estratégia de apoio aos comerciantes locais que tem lutado, diariamente, pela própria subsistência.

Pretendemos, assim que possível, retomarmos as atividades presenciais. Este projeto, construído a muitas mãos, tem possibilitado às(aos) estudantes vivências neste importante equipamento do SUAS, bem como a divulgação do trabalho da terapia ocupacional social e a contribuição, junto a outras categorias profissionais, para a proteção social da população da região de Maruípe em tempos tão adversos.

 

Referências:

ALMEIDA, Marta Carvalho de; SOARES, Carla Regina Silva; BARROS, Denise Dias; GALVANI, Debora. Processos e práticas de formalização da Terapia Ocupacional na Assistência Social: alguns marcos e desafios. Cad. Ter. Ocup. UFSCar, São Carlos, v. 20, n. 1, p. 33-41, 2012.

 

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à fome. Secretaria Nacional de Assistência Social. Política Nacional de Assistência Social. Brasília: MDS, 2004.

 

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS. Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social - NOB/SUAS. Brasília: MDS, 2005.

 

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Resolução nº 17, de 20 de junho de 2011. Ratificar a equipe de referência definida pela Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único de Assistência Social – NOB-RH/SUAS e Reconhecer as categorias profissionais de nível superior para atender as especificidades dos serviços socioassistenciais e das funções essenciais de gestão do Sistema Único de Assistência Social – SUAS. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 21 jun. 2011.

 

OLIVEIRA, Marina Leandrini de; PINHO, Roberta Justel do; MALFITANO, Ana Paula Serrata. O cenário da inserção dos terapeutas ocupacionais no Sistema Único de Assistência Social: registros oficiais sobre o nosso percurso. Cad. Bras. Ter. Ocup., São Carlos, v. 27, n. 4, p. 828-842, dec. 2019.

 

Texto escrito por:

Giovanna Bardi – professora do Departamento de Terapia Ocupacional da UFES e coordenadora do projeto de extensão

Maria Daniela Corrêa de Macedo – professora do Departamento de Terapia Ocupacional da UFRJ e orientadora do estágio no campo social na UFES durante parte do processo descrito

Gustavo Artur Monzeli – professor do Departamento de Terapia Ocupacional da UFPB e orientador do estágio no campo social na UFES durante parte do processo descrito

Luciana Siqueira da Costa – terapeuta ocupacional do Departamento de Terapia Ocupacional da UFES

Daniela Colatto – coordenadora do CRAS da região de Maruípe

Iamara Santos Paula – estudante do curso de Terapia Ocupacional da UFES

 

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