Relato de Experiência: Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida em Contexto Pandêmico - A Experiência da Culinária como Estratégia de Intervenção Grupal Remota
O Centro de Orientação ao
Adolescente de Campinas (COMEC) é uma organização da sociedade civil fundada em
1980, por iniciativa da Promotoria e da Vara da Infância e da Juventude de
Campinas - SP. Atualmente, em parceria celebrada com a Prefeitura Municipal,
executa as medidas socioeducativas em meio aberto de Liberdade Assistida (LA) e
Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) no município. O público-alvo são
adolescentes entre 12 a 18 anos que estão em cumprimento de medida
socioeducativa. O COMEC interage dentro da política pública de assistência
social em cogestão através do Centro de Referência Especial de Assistência
Social (CREAS). O serviço está alinhado segundo premissas das leis: Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), Sistema Único da Assistência Social (SUAS) e
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE).
O atendimento do programa
de Liberdade Assistida do COMEC é desenvolvido por uma equipe multiprofissional,
a qual atualmente é composta de: oito orientadores de medida (quatro psicólogos,
três terapeutas ocupacionais e uma pedagoga) e duas duplas psicossociais que
acompanham o grupo familiar (dois psicólogos e dois assistentes sociais). Estes
profissionais trabalham diretamente na construção do Plano Individual de
Atendimento (PIA) e os recursos metodológicos utilizados durante os
atendimentos aos adolescentes são: acolhimento; orientação da medida; estudo do
caso; atendimento individual e grupal; oficina; atividade cultural, esportiva e
de lazer; entrevista domiciliar, discussão do caso,
acompanhamento/encaminhamento para rede de serviços; dentre outras
possibilidades e projetos existentes.
Nota-se a importância de
um atendimento de forma especializada ao adolescente, expandindo a visão em
torno do grupo familiar e da comunidade em que o jovem está inserido, levando
em conta seus interesses, necessidades e responsabilidades, utilizando
metodologias criativas para melhorar o atendimento e a efetividade das ações
(COMEC, 2018).
Dentre estas intervenções,
a atividade de culinária tem sido utilizada como estratégia de intervenção há
mais de 40 anos no COMEC (COMEC, 2018). Ao longo deste período, esta atividade
foi entendida pela equipe técnica enquanto um espaço potencial para trabalhar
com os adolescentes.

Fonte: Fotos do Acervo COMEC
Porém, durante a pandemia do COVID-19, foi necessário criar estratégias diferentes para o cumprimento da medida socioeducativa de Liberdade Assistida, visando todos os cuidados preventivos necessários.
Neste contexto, no ano de
2021, foi firmada uma parceria entre a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
(FMRP/USP) e o Centro de Orientação ao Adolescente de Campinas (COMEC), para
realização de Estágio Profissional em Terapia Ocupacional na Atenção à Criança
e ao Adolescente. Diante do desejo de retomarmos o grupo de culinária no
contexto pandêmico começamos a elaborar como seria o grupo de culinária remoto.
Para a realização desta atividade, desenvolvemos um roteiro de atividades
grupais, no qual o eixo central foi a atividade de culinária.
Importante ressaltar a
reflexão acerca da atividade de culinária enquanto relacional e social, visto
que muito mais do que alimentar-se para nutrir, os sujeitos possuem a
necessidade de se relacionar com outros, e historicamente foi através dos
alimentos que os homens, juntos, começaram a se organizar cultural e
socialmente (ZUIN; ZUIN, 2009).
Os critérios de
participação levaram em conta características do adolescente, envolvendo
aspectos relacionais, acesso aos recursos tecnológicos (celular, computador,
notebook, tablet e/ou outros), conexão (internet), interesse na temática,
disponibilidade de horário e organização tempo-espacial.
Esta atividade teve como
objetivo principal fortalecer o vínculo com adolescentes em cumprimento de
medida socioeducativa na Liberdade Assistida (LA), por meio dos atendimentos
remotos. Em relação aos objetivos específicos: promover o diálogo entre os
adolescentes a partir da temática da culinária e proporcionar espaço de escuta
online, por meio de atividades cotidianas.
Para a realização do
grupo de culinária virtual desenvolvemos um roteiro de atividades em conjunto,
tendo como eixo central a atividade de culinária, em busca de um ponto comum
entre os acordos feitos no decorrer das semanas, sendo revisados após cada
encontro, tendo como norte os objetivos. O roteiro foi importante para o
planejamento de cada encontro, com a inclusão de temas relevantes tais como
relações familiares/afetivas, inserção no mercado de trabalho, cursos
profissionalizantes e organização do cotidiano. Para tanto, foram utilizadas diferentes
estratégias metodológicas, promovendo maior dinâmica, integração, possibilidade
de reflexão e diálogo. Foram utilizados recursos midiáticos como jogos online,
vídeos do YouTube/Instagram, vídeos produzidos pelo COMEC, entre outros.
Ocorreram sete encontros remotos semanais com duração de aproximadamente uma
hora, utilizando o recurso tecnológico da plataforma Google Meet, por meio de videochamadas.
Para a utilização deste recurso, foi necessário capacitar cada integrante do
grupo quanto ao uso da plataforma, garantindo o espaço de fala dos
adolescentes, favorecendo assim suas escolhas, fortalecendo a autonomia e
independência de cada sujeito dentro dos processos e fazeres culinários e
explorando ocupações de interesse dentro deste universo.
O grupo contou com a
coordenação de uma terapeuta ocupacional/ orientadora de medida e de uma
estagiária de terapia ocupacional, e com a participação média de três
adolescentes por encontro.
A
contribuição da terapia ocupacional neste contexto se dá, segundo Morais e
Malfitano (2016), trabalhando no sentido de compreender o significado do ato
infracional na história da trajetória do adolescente, usar a atividade como
forma de mediação e leitura da dinâmica social para possibilitar a construção
de laços de confiança, compreensão do cotidiano e planejamento de estratégias
para um novo projeto de vida ao adolescente.
O desenvolvimento desta proposta permitiu o compartilhamento de um espaço horizontal, levando em conta a integralidade de cada participante. Segundo Morais e Malfitano (2016), a atividade pode ser aplicada como um instrumento de emancipação e autovalorização, favorecendo a ampliação de espaços socioculturais que contribuam para conscientização dos direitos e deveres. A construção de um espaço seguro e acolhedor foi priorizado no sentido de oportunizar vivências significativas, e escuta às demandas dos participantes, considerando aspectos do cotidiano e fatores socioculturais. Desta forma, foi possível alcançar os objetivos propostos no decorrer dos sete encontros. Algumas das atividades, em especial as mais dinâmicas e didáticas, foram melhor aceitas, em comparação às teóricas.
Conheça mais sobre o desenvolvimento deste projeto no resumo apresentado na publicação do III Simpósio Nacional em Socioeducação - Responsabilização e Emancipação de Adolescentes no link: https://padlet.com/socioeducacaodf/Bookmarks
Alessandra de Moura, terapeuta ocupacional e orientadora de medida socioeducativa de Liberdade Assistida (COMEC - LA), mestranda em Terapia Ocupacional e Processos de Inclusão Social - MPTO/USP
COMEC. COMEC: Uma trajetória de trabalho com adolescentes, 1 ed. Santa Barbara d’Oeste: Gráfica Mundo, 2018. 123 p.
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