RELATO DE EXPERIÊNCIA: Uma trajetória desde a Secretaria Municipal de Assistência Social até a Coordenação do CRAS
Até chegar a este momento em que
estou como Coordenadora de um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS)
no município de Vila Velha, no estado do Espírito Santo (ES), houve uma longa
trajetória dentro e fora da Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS -
VV).
Me formei como terapeuta
ocupacional em 2006. Nesta época, a terapia ocupacional (TO) ainda estava em um
momento de reconhecimento nas instituições do nosso estado. Os profissionais
apresentavam projetos às instituições para mostrar o quanto a categoria
profissional poderia contribuir nos espaços para a criação de vagas de emprego
nas diversas áreas de atuação, e não era diferente na assistência social.
Fiz meu Trabalho de Conclusão de
Curso (TCC) sobre a intervenção da terapia ocupacional na organização cotidiana
no momento de saída das adolescentes em situação de acolhimento institucional. Ganhamos,
na época, um curso de pós-graduação da faculdade, pois foi eleito como o melhor
TCC apresentando naquele ano. Tive uma professora que foi maravilhosa e
despertou em mim a vontade de estar no campo social e esse foi o primeiro
momento em que encontrei a assistência social.
Atuei profissionalmente em
instituições como APAEs, Pestalozzi, trabalhei no Instituto de Atendimento
Socioeducativo do Espírito Santo (IASES) e também iniciei o trabalho como
terapeuta ocupacional na segunda casa de semiliberdade do estado para
adolescentes em conflito com a lei. Fiz muitos atendimentos domiciliares e
atendi em algumas clínicas de reabilitação física, até que, em 2015, fui
chamada no concurso da Prefeitura Municipal de Vila Velha. Inicialmente, a vaga
era para a Secretaria de Saúde, mas a Secretaria de Assistência Social
solicitou os profissionais.
Fui direcionada, inicialmente,
para atuar em instituições de acolhimento para a população em situação de rua e
para crianças. Cada dia estava em uma destas instituições, até que um novo
colega chegou para dividir o trabalho comigo. Depois de algumas reuniões com a
gestão, foi decidido que deveríamos compor a equipe do Serviço Especializado de
Atendimento Domiciliar (SEAD) em um Centro de Referência Especializado de
Assistência Social (CREAS). O município, naquele momento, contava com dois
CREAS e em nenhum deles havia sido implantado o SEAD. Uma colega assistente
social trouxe um projeto de outro município e o secretário da pasta decidiu que
a equipe SEAD seria composta por terapeuta ocupacional e assistente social.
Ficamos, então, com dois
terapeutas ocupacionais e um assistente social na equipe do SEAD, aguardando
outro assistente social assumir para formar as duas equipes do equipamento.
Neste primeiro momento, pelo
desconhecimento sobre a nossa categoria profissional, tivemos dificuldades com
a equipe. Muitos assistentes sociais vinham de outros equipamentos e nunca
haviam trabalhado com terapeutas ocupacionais, desconhecendo as nossas
contribuições para aquele espaço. Passamos por algumas situações
constrangedoras, até o momento em que pedimos uma reunião com toda equipe de
coordenadores da Secretaria. Elaboramos um documento que pontuava as diversas
possibilidades de atuação da terapia ocupacional nos equipamentos da assistência
do município e, ainda, apresentamos uma tabela com vagas que poderiam ser
ocupadas por profissionais terapeutas ocupacionais.
A partir daí ganhamos
credibilidade. Selecionamos os casos com perfil para os nossos atendimentos e
reativamos prontuários esquecidos pelas equipes que foram substituídas. A
assistente social que fazia parte da nossa equipe logo compreendeu nosso
trabalho. Conseguimos estagiários e fizemos um trabalho que se destacou até no
setor judiciário, que passou a direcionar casos especificamente ao SEAD.
Neste momento, eu e o outro
terapeuta ocupacional fomos convidados a assumir o cargo de referência técnica
dos CREAS na Proteção Social Especial (PSE). Decidimos que eu faria esse
trabalho.
Mais um desafio pela frente:
trabalhar na gestão, ocupar um espaço que antes somente assistentes sociais
ocupavam. Mas foi muito tranquilo e prazeroso. As coordenadoras dos CREAS foram
muito importantes neste momento, pois elas confiaram em mim e no meu trabalho já
conheciam o trabalho da TO. Pudemos criar/orientar alguns grupos para
adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa com a contribuição da TO e
grupos de cuidadores de pessoas acamadas ou com redução de mobilidade em outro
CREAS (que não contava com o SEAD).
Neste momento, eu engravidei.
Trabalhei até o final da gestação e saí de licença maternidade e férias por 7
meses. Retornei como gestora de outro equipamento.
Uma colega do setor de Recursos
Humanos (RH), em uma das visitas que fiz antes do meu retorno, havia me dado
uma dica: Havia um CRAS do município sem coordenador há bastante tempo, “por
que você não pede para ir pra lá?” Pois foi o que eu fiz! E a gestão aceitou!
Tínhamos uma nova Secretária, ótima em planejamento e resolução de problemas,
cheia de boas ideias e muitos problemas para resolver. E, o mais importante:
sempre ouviu a equipe e fez questão de tentar melhorar a vida no trabalho de
todos. Acreditou que eu poderia assumir essa nova missão mesmo sabendo que eu
nunca havia estado na equipe de um CRAS.
Quando cheguei, encontrei uma
situação bastante complexa. Não havia equipe no CRAS. Não havia documentos
recentes. As prestações de contas e relatórios não eram feitos há anos. Todos
os profissionais faziam somente Cadastro Único. A fila para agendar cadastro
Único tinha, em média, 800 pessoas por mês!
Eu não sabia o que fazer, porém no
cotidiano institucional fui colocando tudo em dia e aprendendo muito da rotina
de um CRAS. Com a chegada da equipe de
cadastradores foi possível começar a pensar do zero a atividade da equipe.
Organizamos um dia para demandas espontâneas, acolhida, atendimento Programa de
Atenção Integral à Família (PAIF). Realizávamos grupos com gestantes, mulheres,
catadores. Chegou também uma equipe de educadores para o Serviço de Convivência
e Fortalecimento de Vínculos. As coisas começaram a acontecer naquele espaço
que carregava o nome de CRAS, mas que não funcionava como o previsto.
O território onde se encontrava
este CRAS era permeado por muitos conflitos do tráfico e episódios de
violência. Diversos desafios se
colocavam. Certa vez, passamos por um tiroteio que demandou a retirada das
crianças da sala em que faziam aula de violão para colocá-las em um local mais
seguro. Passamos por capacitação pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha
para a gestão de riscos e proteção em locais de violência armada. Tínhamos uma equipe muito pequena, incompleta
e muito desgastada, mas que fazia o possível para atender a população. O clima
era sempre de tensão.
Apesar dos intensos desafios, me
acostumei à rotina, a equipe foi sendo remanejada e outras pessoas ocupando o
espaço e chegando cheias de vontade de fazer acontecer. Isso também me renovou.
Hoje temos uma nova gestão municipal, muitas mudanças também estão ocorrendo e
sempre existe a vontade de melhorar o serviço.
Passei por muitas coisas nestes
quatro anos como coordenadora, os aprendizados foram muitos! Fiz curso para
entrevistador de cadastro único, participei de inúmeras reuniões, conheci toda
a rede da região e todos os profissionais e serviços. Sei responder as dúvidas
mais diferentes que chegam nessa recepção (que não são poucas!). Foi uma
experiência incrível!
Escrevo, hoje, este texto em um
tom de despedida, pois estou retornando ao trabalho em um CREAS para compor
novamente o SEAD. Vou ser e fazer especificamente Terapia Ocupacional
novamente!
Texto escrito por:
Luana Valero - Terapeuta Ocupacional
Boa tarde, Luana.
ResponderExcluirTambém sou terapeuta ocupacional e ocupo o cargo de Supervisão de CRAS. Um desafio e tanto. Muito bom ler seu relato e me identificar em alguns aspectos. Sucesso para você!