Diálogos entre a Terapia Ocupacional Social e o SUAS: Terapia Ocupacional na Alta Complexidade do SUAS – relato de experiência

 Descrição da Imagem: Em um fundo laranja escuro, há, na parte superior, um pontilhado branco fazendo uma linha com curvas. Ainda na parte superior, ao centro, há duas imagens de caixa de diálogo, uma verde e uma branca. Abaixo, há os dizeres "Diálogos entre a Terapia Ocupacional Social e o SUAS", em letras pretas, brancas e verdes. Na parte inferior, há os dizeres "Coluna no Blog", em letras verdes.


Desde que nossa profissão foi oficialmente incluída como umas das categorias profissionais que poderia compor as equipes de referência dos equipamentos socioassistenciais, em todos os níveis de complexidade, o número de terapeutas ocupacionais no Sistema Único de Assistência Social (SUAS) vem crescendo. Tomando como base as informações do CENSO SUAS de 2019, atualmente temos cerca de 300 terapeutas ocupacionais atuando em Unidades de Acolhimento Institucional na Alta Complexidade do SUAS. Isto suscita um amplo leque de possibilidades para a ação profissional, visto que a diversidade de objetivos estabelecidos em cada equipamento socioassistencial demanda de nós uma multiplicidade de ações.

Na postagem de hoje gostaríamos de compartilhar uma experiência de trabalho em uma Unidade de Acolhimento Institucional com homens adultos, tendo como foco a inclusão produtiva, e interrelacionar o conjunto de intervenções realizados por uma terapeuta ocupacional com o debate a respeito das Tecnologias Sociais na Terapia Ocupacional Social, já abordadas aqui no Blog TO no SUAS (você pode acessar esta postagem através deste link: https://to-nosuas.blogspot.com/2021/07/possiveis-recursos-e-tecnologias.html).

As Unidades de Acolhimento Institucional são equipamentos socioassistenciais no âmbito da Alta Complexidade do SUAS e têm como objetivo promover o acolhimento de famílias ou indivíduos com vínculos familiares rompidos ou fragilizados, buscando assegurar sua proteção integral (BRASIL, 2014). A experiência aqui relatada aconteceu no município do Rio de Janeiro, em uma Unidade de Reinserção Social (URS). Este serviço, especificamente, recebe homens adultos independentes e/ou com algum grau de dependência em decorrência de doenças neurológicas, doenças crônicas, deficiências física e mental, doença mental e dependência química. O equipamento tem como um de seus objetivos propiciar a autonomia e empoderamento de ações dos usuários através de sua inserção no mundo do trabalho, considerando o perfil de cada um deles (PPP, 2019).

Desta forma, este foi o foco da ação profissional: construir um conjunto de intervenções terapêutico ocupacionais voltadas para a inclusão produtiva e inserção no mercado de trabalho de homens com idades entre 20 e 50 anos, que estavam em situação de rua e naquele momento encontravam-se em acolhimento institucional.

Nesta Unidade de Acolhimento não há uma terapeuta ocupacional na composição de equipe técnica. A experiência aqui relatada se refere à parceria com uma docente e 5 estudantes do curso de graduação em terapia ocupacional do Instituto Federal de Educação do Rio de Janeiro (IFRJ). Desta forma, havia a necessidade de construção de vínculo com os usuários, assim como de conhecer suas necessidades e intencionalidades.

Diante disso, lançando mão da tecnologia social das Oficinas de Atividades, Dinâmicas e Projetos, iniciamos um grupo semanal, com duração de uma hora, no qual realizávamos processos reflexivos, discursivos e relacionais tendo como eixo central aquilo que escolhemos denominar incursões no mundo do trabalho. Através deste conjunto de intervenções foi possível conhecer a história de vida dos usuários e a forma como o trabalho atravessava e compunha a vida de cada um deles; debater a respeito da função social do trabalho e as desigualdades que perpassam a inserção no mercado de trabalho; refletir sobre as mais diversas possibilidades de se inserir no mundo do trabalho; discutir sobre as violências e violações de direitos que eles vivenciavam na relação com o trabalho, além da forma como estas determinam as possibilidades da vida cotidiana.

Na medida em que foi possível construir vínculo com os usuários e conhecer melhor suas singularidades, surgiu a possibilidade de, através da Articulação com Recursos do Campo Social, estabelecer uma parceria com uma Incubadora Tecnológica de Cooperativas Sociais (ITCP), localizada no IFRJ, para, seguindo com o recurso das Oficinas de Atividades, Dinâmicas e Projetos, iniciar uma oficina de geração de renda.

A partir daí, em parceria com o Curso de Farmácia do IFRJ, os usuários passaram por um curso de formação onde aprenderam a fazer bolos e biscoitos funcionais, para venda no território circunscrito à URS. Em articulação com uma igreja e uma instituição de ensino superior privada, os usuários passaram a vender, com um estande de vendas, os bolos e biscoitos que eles fabricavam. A renda era revertida uma parte para a manutenção das atividades da oficina de geração de renda e a outra parte dividida entre os usuários. Assim, as ações terapêutico ocupacionais junto aos homens em acolhimento institucional seguiram através da realização semanal dos grupos para a confecção dos bolos e biscoitos funcionais e um trabalho constante e contínuo de articulação no território para pontos de venda dos produtos. Neste processo, fizemos uma interlocução com uma feira de economia solidária para montagem de estande de venda em alguns locais do território onde também era possível comercializar os produtos.

Este trabalho possibilitou uma aproximação mais individualizada, provocando e viabilizando alguns Acompanhamentos Singulares e Territoriais. É importante ressaltar que esta experiência conta com poucos acompanhamentos individualizados porque como se deu através de um projeto de extensão, a terapeuta ocupacional e os estudantes se relacionavam mais pontualmente com os usuários, o que dificultava um acompanhamento mais contínuo e fluido. Apesar disso, foram possíveis eventuais intervenções mais individualizadas. Podemos citar algumas: ao longo do curso de formação para a confecção de bolos e biscoitos funcionais, dois usuários manifestaram a vontade de retomar os estudos. Diante disso, começamos a pensar e refletir, individualmente, sobre as possibilidades que faziam sentido e eram factíveis para eles. Como desdobramento, um deles se inscreveu para um curso técnico no IFRJ e o outro se inscreveu para o ENEM, pois desejava ingressar no ensino superior. Outro acompanhamento possível de relatar aconteceu junto a um usuário que desejava voltar para sua cidade natal, e que precisava se organizar, especialmente do ponto de vista financeiro. Assim, construímos com ele uma forma de gerir sua renda que viabilizasse seu retorno, em parceria com a assistente social de referência dele na URS.   

Este conjunto de intervenções teve a duração de cerca de um ano, e infelizmente precisou ser interrompido em decorrência da pandemia de COVID-19. Sabemos que um relato de experiência como este não é capaz de comunicar toda a complexidade e desafios envolvidos na construção da ação terapêutico ocupacional no contexto do SUAS. Entretanto compreendemos que pode ilustrar a forma como a atuação de terapeutas ocupacionais contribui para a compor os processos de trabalho nos equipamentos socioassistenciais. No caso específico deste relato, defendemos que faz sentido alinhar a prática profissional com o referencial teórico-metodológico da Terapia Ocupacional Social, e que o debate sobre os Recursos e as Tecnologias Sociais pode ser de grande valia para que terapeutas ocupacionais que estão atuando no SUAS possam balizar sua ação profissional.

 

Referências

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Brasília, 2014.

CENSO SUAS 2019 – Bases e Resultados. Vigilância Socioassistencial – Ministério do Desenvolvimento Social, 2022. Disponível em: < https://aplicacoes.mds.gov.br/snas/vigilancia/index2.php >. Acesso em: 20/02/2022.

 PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO. Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos do Rio de Janeiro. Unidade de Reinserção Social de Realengo. Rio de Janeiro, 2019.

 

Texto escrito por: 

Ana Carolina de Souza Basso - Terapeuta Ocupacional. Professora do Curso de Terapia Ocupacional do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), doutoranda do Programa de Pós-graduação em Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos (PPGTO-UFSCar).

 

 

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