Dissidências de gêneros e sexualidades e a luta pela construção do SUAS para todas as pessoas que dele necessitarem

 

Descrição da Imagem: Em um fundo laranja escuro, há, na parte superior, um pontilhado branco fazendo uma linha com curvas. Ainda na parte superior, ao centro, há duas imagens de caixa de diálogo, uma verde e uma branca. Abaixo, há os dizeres "Diálogos entre a Terapia Ocupacional Social e o SUAS", em letras pretas, brancas e verdes. Na parte inferior, há os dizeres "Coluna no Blog", em letras verdes. #Pratodosverem


A proposta deste texto é apresentar brevemente algumas discussões que se referem à temática das dissidências de gêneros e sexualidades e as articulações com o Sistema Único da Assistência Social (SUAS).

Iremos apresentar, de forma geral, o II Plano Decenal de Assistência Social (2016/2026), a resolução conjunta do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) e do Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD) (01/2018), a campanha do SUAS sem Transfobia e a proposta de criação do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) da Diversidade, como uma experiência pioneira no Distrito Federal.

            O II Plano Decenal de Assistência Social (2016-2026): “Proteção Social para todos (as) os (as) brasileiros (as)” foi aprovado pela Resolução CNAS nº 7, de 18 de maio de 2016. No plano é evidenciado o compromisso da política com a garantia dos direitos socioassistenciais, com a gestão compartilhada, democrática e participativa (BRASIL, 2016).

            Em suas diretrizes, aponta como objetivo a plena universalização do SUAS, tornando-se mais acessível, com respeito à diversidade e à heterogeneidade dos indivíduos, famílias e territórios. Dentre as diretrizes apontadas, destaca-se o respeito às diversidades de arranjos familiares e a garantia de não discriminação no atendimento, em razão de questões relacionadas à raça, cor, origem, religião, cultura e orientação sexual. Dentre os objetivos estratégicos para atingir a diretriz da plena integralidade da proteção socioassistencial, o fortalecimento da intersetorialidade, como estratégia de gestão, é um objetivo em destaque, visando a garantia de direitos e proteção social às mulheres, pessoas com deficiência, população LGBT, ciganos, comunidades tradicionais, de matriz africana e de terreiro, dentre outras populações (BRASIL, 2016).

O documento também prevê como meta do Plano Nacional da Assistência Social a universalização dos serviços e as unidades de proteção social básica do SUAS, garantindo a manutenção e a expansão com qualidade. Nesta meta, destaca-se que é previsto que o trabalho social com a perspectiva de gênero e raça/cor deve, necessariamente, ser incorporado às metodologias de trabalho do Serviço de Proteção e Atendimento Integral às Famílias – PAIF, como forma de fortalecer o empoderamento, a construção de identidades positivas, a valorização da diversidade, a participação social e a defesa coletiva da dignidade e dos direitos desses segmentos (BRASIL, 2016).

São apresentados dados de violações de direitos no Brasil, tais como violência sexual contra as mulheres, desigualdade de gênero, violações de direitos contra a população LGBT e exploração sexual, como desafios a serem enfrentados pelo SUAS (BRASIL, 2016). Dessa forma, frente a estes dados e desafios, o plano reafirma seu compromisso com a garantia de direitos sociais, dando ênfase para sujeitos e coletivos que foram historicamente alocados em espaços sociais de abjeção, seja por questões relacionadas à renda, a orientação sexual, a identidade de gênero, a cor/raça ou à etnicidade, entre outros marcadores sociais da diferença. A política adota uma perspectiva interseccional para análise das situações de vulnerabilidade e desfiliação que chegam ao serviço, buscando a integralidade no acesso (BRASIL, 2016).

Já em relação à resolução conjunta do CNAS e CNCD (01/2018), esta estabelece parâmetros para a qualificação do atendimento socioassistencial da população LGBT+ no SUAS.

Assim, o documento dispõe que a rede socioassistencial do SUAS deve atuar de forma articulada para a promoção de atendimento qualificado ampliando acesso aos serviços e programas socioassistenciais para a população LGBTI+, de modo a garantir no âmbito de todos os níveis de proteção social o reconhecimento e a adoção do nome social, as múltiplas identidades de gênero (devendo ser estendida também às crianças e adolescentes em diálogo com os responsáveis), a oferta de banheiros, vestiários, alojamentos e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo com a identidade de gênero de cada usuária/o. Sobre este último ponto, em nota técnica sobre a resolução, se coloca que o indicativo desta não trata da construção de um espaço específico para pessoas trans, não implicando, desta forma, em impactos orçamentários, mas numa orientação para que os profissionais do SUAS respeitem a identidade de gênero das usuárias e usuários quando da utilização dos espaços designados ao seu gênero de identificação.

Estabelece como diretrizes no âmbito do SUAS que a matricialidade sociofamiliar deve reconhecer as famílias compostas por membros LGBTI+, a promoção de uma cultura de respeito e não violência, assim como o combate ao preconceito relacionados à identidade de gênero e orientação sexual, a capacitação dos profissionais que atuam no SUAS para tratar da temática LGBTI+, a adoção de formas de tratamento adequada à essa população, e a observância das particularidades das identidades LGBTI+ na elaboração de metodologias de atendimento e acompanhamento, instrumentos de registros e cadastros.

A resolução ainda estabelece que tanto a proteção social básica quanto a especial de média e alta complexidade deverão garantir a construção de estratégias, parcerias e metodologias cultural e socialmente adequadas às particularidades das identidades LGBT, e que os serviços socioassistenciais deverão dirigir atenção especial em relação às crianças e adolescentes LGBT dadas as incompreensões, falta de informação e violências às quais estão comumente expostas mediante trajetória de construções identitárias e de orientação sexual.

Em nota técnica sobre a resolução, publicada em 2019, o CNAS e o CNCD apontam a urgência de maior envolvimento da política de assistência social, especialmente na prevenção e no combate às questões sociais que estruturam a LGBTfobia. Apontam ainda a importância da incorporação da perspectiva identitária a exemplo do caminho percorrido pelo SUS com a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais.

É importante destacar, conforme anunciado em nota, que a resolução não estabelece novas funções, atividades ou sugere qualquer mudança dentro do que já se encontra normatizado e tipificado nas normativas do SUAS, não ensejando ampliação de equipamentos ou de cofinanciamento. A citada resolução conjunta se constitui como uma ferramenta de qualificação e de ampliação da visibilidade da vulnerabilidade deste segmento ao explicitar e fortalecer a responsabilidade da assistência social na garantia dos direitos socioassistenciais desta população, visto que esta não conta com uma solidariedade social mais estruturada.

Outro tema importante foi a campanha desenvolvida pelo Ministério do Desenvolvimento Social, em parceria com a RedeTrans, e também conta com o apoio do Ministério dos Direitos Humanos e do Conselho Nacional de Assistência Social. Parte dos seus objetivos é mobilizar gestão, equipes de referência, sociedade civil e outros sujeitos e equipamentos sobre a existência da transfobia e quão nociva ela é. Desta forma, busca-se o reconhecimento das demandas específicas desta população e o comprometimento do SUAS com uma sociedade justa, em que caiba a existência dos diferentes modos de vida (Brasil, 2018). 

Voltando-se para a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), cabe relembrar que a mesma atua de forma articulada com as políticas setoriais, na busca da garantia dos direitos socioassistenciais, com foco nas populações historicamente marginalizadas e subalternizadas. A partir disso, é função da PNAS promover e garantir os direitos da população trans, através de diferentes ações e estratégias que podem ser desenvolvidas pelo SUAS. Dentre as ações, deve-se pensar o respeito às identidades de gênero e orientação sexual dos usuários nos diferentes espaços e serviços, oportunidades de emprego e geração de renda, qualificação profissional desta população, entre outras ações envolvendo outros setores como saúde, educação, esporte e lazer (Brasil, 2018). 

O nome social para pessoas trans é outro direito garantido que deve ser respeitado. Desde abril de 2016, devido ao Decreto Presidencial Nº 8.727/2016, o nome social e a identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais deve ser reconhecida e respeitada na administração pública federal. Assim, deverão ser adotados em atos e procedimentos dos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, o nome social da pessoa travesti e transexual. O nome social deve vir em destaque, sendo a principal informação, acompanhada do nome civil, o qual deverá ser usado somente para processos administrativos internos. Desde 2015, no Cadastro Único para Programas Sociais – CadÚnico já consta um campo para a possibilidade de inclusão de nome social (Brasil, 2016). 

Segundo dados do Sistema de Informação da Rede SUAS, os CREAS realizam cotidianamente atendimento e acompanhamento da população que sofre violações de direitos devido a sua orientação sexual.

De acordo com o Censo SUAS 2016, dos 2.521 CREAS que responderam à questão sobre o atendimento de situações de discriminação em decorrência da orientação sexual no âmbito de atuação do Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos - PAEFI, 74,2% dos CREAS confirmaram ter atendido situações de violência e violação de direitos devido à orientação sexual (BRASIL, 2021).

Este dado reforça que este serviço vem atendendo de maneira bastante frequente a população LGBTI+, o que aponta para a importância desta política para a garantia do acesso aos direitos sociais dessas populações (BRASIL, 2021).

Além disso, o Programa Acessuas Trabalho, que tem por objetivo desenvolver ações voltadas para garantia de direitos e cidadania das pessoas em situação de vulnerabilidade/risco social a partir do acesso a serviços e da inclusão no mundo do trabalho, destaca em seu público prioritário as populações LGBTI+ (BRASIL, 2021).

Para trazer um exemplo de criação de um serviço especializado, temos o Centro de Referência Especializado da Diversidade Sexual, Étnico Racial e Religiosa do Distrito Federal – CREAS da Diversidade que teve suas origens em 2009, com a criação do Núcleo de Atenção à Diversidade e Enfrentamento à Intolerância Sexual, Religiosa e Racial (NUDIN), vinculado à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda do Distrito Federal. Este núcleo era vinculado aos serviços de média complexidade ofertados pela Política de Assistência Social e atendia todo o Distrito Federal (QUEIROZ, 2017).

Em 2013, o NUDIN passa a se chamar Centro de Referência Especializado da Diversidade Sexual, Étnico Racial e Religiosa – CREAS da Diversidade, com o objetivo de atender especificamente situações de discriminação por orientação sexual, identidade de gênero, raça, etnia ou religiosidade, ofertando ações de orientação, proteção e acompanhamento às famílias com um ou mais membros em situação de risco pessoal e social, ameaça ou violação de direitos (QUEIROZ, 2017).

Contando com uma equipe multiprofissional composta por assistentes sociais, psicólogo, educador social, advogado, pedagogo, o CREAS da Diversidade desenvolve ações que visam atender pessoas que foram vítimas de discriminação sexual, étnico racial e religiosa, bem como as suas famílias (QUEIROZ, 2017).

 

Referências

 

AGÊNCIA BRASÍLIA. Creas da Diversidade vira exemplo nacional. Edição Chico Neto. Publicado em 27 de novembro de 2020. Disponível em: https://www.agenciabrasilia.df.gov.br/2020/11/27/creas-da-diversidade-vira-exemplo-nacional/. Acesso em 28 de abril de 2022.

 

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS. Secretaria Nacional de Assistência Social. II Plano Decenal da Assistência Social (2016/2026): proteção social para todos/as os/as brasileiros/as. Brasília - DF, 2016

 

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social. Garantia da utilização do nome social para pessoas travestis e transexuais. Brasília – DF, 2016.

 

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social. Ministério dos Direitos Humanos. SUAS sem Transfobia, Brasília – DF, 2018.

 

BRASIL, Secretaria Nacional de Assistência Social. O dia 17 de maio e o papel do SUAS no combate à LGBTfobia no Brasil, Brasília – DF, 2021.

 

BRASIL. Rede SUAS. Atendimento socioassistencial à população LGBT no SUAS. Disponível em: http://blog.mds.gov.br/redesuas/atendimento-socioassistencial-a-populacao-lgbt-no-suas/. Acesso em 28 de abril de 2022.

 

CREAS MUNICIPAL. Creas da Diversidade Sexual – Creas Da Diversidade Sexual (DF). Disponível em: https://creas.municipal.com.br/creas-da-diversidade-sexual-creas-da-diversidade-sexual-df/. Acesso em 28 de abril de 2022.

 

QUADRADO, J. C.; FERREIRA, E. S. Os (des) caminhos da política pública de assistência social no atendimento à população LGBT. Humanidades & Inovação. v.6, n.17., 2019. Disponível em: https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/article/view/1773. Acesso em 28 de abril de 2022.

 

QUEIROZ, J. P. P. A política de assistência social e as demandas LGBT: um debate sobre o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos – PAEFI. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Serviço Social) - Universidade de Brasília, Brasília, 2017.



Texto coletivo escrito porKésia Maria Maximiano de Melo, Iara Falleiros Braga, Jaime Daniel Leite Junior e Gustavo Artur Monzeli

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