Retrato de uma Residência Inclusiva...

 


Descrição da imagem: fundo laranja claro, nos cantos inferior esquerdo e superior direito, curvas coloridas de ocre, verde escuro, e vinho. No centro, escrito: "Retrato de uma residência inclusiva - Juliana Romero Scharra, Terapeuta Ocupacional", nas cores branco e verde escuro. #Pratodosverem


Por fora, uma casa pintada de azul, com o portão branco numa rua movimentada no bairro da Mooca, zona leste da cidade de São Paulo. Casa onde residem dez moradores entre eles homens e mulheres na faixa etária entre 22 e 63 anos.

Seus moradores a ocupam há mais de seis anos e mobilizam seu território, acessam vizinhos, fazem vínculos com os estabelecimentos e seus funcionários, levantam questões e reclamações, provocam discussões. É a busca pela inclusão acontecendo. E ela não tem nada de silenciosa, pelo contrário, é provocativa e barulhenta. Incomoda.

Uma outra casa no mesmo bairro, rua calma, entrada com janelas largas e espaço amplo, onde moram outras dez pessoas com idades entre 18 e 53 anos, homens e mulheres que apresentam diferentes demandas.

Desde 2017 componho a equipe de um serviço de acolhimento para jovens e adultos com deficiência em modalidade de Residência Inclusiva (RI). Pessoas encaminhadas, em sua maioria, de Serviços de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes (SAICAs), e outras, de suas famílias, em decorrência de algum tipo de violência e/ou violação de direitos.

O serviço é composto por duas casas com dez moradores em cada e com quadro de funcionários integrado por cuidadores divididos em turnos diurno/noturno, operacional, gerente, assistente técnica e equipe técnica composta por assistente social, psicólogo e terapeuta ocupacional.

Do lado de dentro, buscamos diariamente, afirmar essas casas (estruturas físicas) como lares. Compreendemos, como equipe de cuidado, que aquele espaço pertence aos que ali moram e que cabe aos funcionários se fazerem presentes para auxiliar no que for necessário, desde as questões básicas de administração de uma casa até cuidados complexos de saúde, benefícios e mediação das relações com a rede que cada um possui.

Enquanto esse trabalho acontece, um alerta permanece. A casa não deixa de ser uma instituição e os moradores, em sua maioria, ainda estão em ‘processo de desinstitucionalização’. Nas residências há pessoas que dependem, de forma provisória ou definitiva, de um serviço institucional para dar suporte no gerenciamento da sua vida. Assim, a equipe permanece atenta a pensar o limite da tutela nas ações frente às necessidades e solicitações das pessoas com deficiência intelectual que estão na RI.

Como um dos objetivos da Residência Inclusiva é a construção e desenvolvimento da independência e autonomia dos moradores, estamos frequentemente problematizando a linha tênue entre a proteção e a tutela, a negligência e o desenvolvimento de habilidades. Esbarramos nos questionamentos de autorização e desautorização da vida do outro, da convocação para corresponsabilização, construção conjunta, apostas, fazer e refazer contratos, refletir sobre as relações de poder (moradores – cuidadores - técnicos – gerência), entre outros aspectos que expressam a intensidade de estar numa RI e como esse estar presente convoca a agir.

Não à toa, essa convocação à ação é permeada por uma constante mobilização de afetos. Estar na RI é também aprender a reconhecer seus afetos e os nomear, produzir sentido em conjunto, ampliar os saberes, construir repertórios, fazer trocas... Esse movimento acontece em todas as relações da equipe de funcionários e dos moradores e (SPINOZA, 2017).

Ser terapeuta ocupacional e atuar numa RI é todo dia se repensar, se questionar, se distanciar, quando necessário, e estar ao lado, escutando e fazendo junto.

 

Referências

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Residências Inclusivas Perguntas e Respostas. Brasília – DF. Novembro, 2014.

SPINOZA, B. Ética. 3ª Edição. Belo Horizonte, 2017.

TYKANORI, R. Contratualidade e Reabilitação Psicossocial. In: PITTA, A. Reabilitação Psicossocial no Brasil. Ed. Hucitec. São Paulo, 1996.

 

Texto escrito por: Juliana Romero Scharra - Terapeuta Ocupacional

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