Breves reflexões sobre a relação entre Educação Básica e Proteção Social e desafios profissionais para a efetivação da democracia brasileira
Descrição da Imagem: Num fundo laranja escuro se lê "Diálogos entre a terapia ocupacional social e o suas - coluna no blog". A palavra "diálogos" está em letra coloridas parecendo letras diferentes recortadas de revista. Na margem superior, há um desenho de dois balões de diálogos e uma linha pontilhada.#Pratodosverem
A educação, por meio do processo de escolarização, tem sido compreendida, desde o advento do iluminismo nos países europeus, como um bem inalienável e indispensável para o pleno desenvolvimento de todo e qualquer cidadão (CURY, 2002).
Para Marshall (1967), que em sua clássica
formulação sobre a cidadania, identifica como seus componentes os direitos
civis, políticos e sociais, o acesso à educação é um pré-requisito para o
exercício de todos esses elementos, estando, portanto, diretamente relacionada
com a cidadania. Nesse sentido, a educação é tanto um direito social em si,
como a base para o seu exercício e também dos direitos civis e políticos.
Para Cury (2002):
A magnitude da
educação é assim reconhecida por envolver todas as dimensões do ser humano: o singulus, o civis, e o socius. O singulus, por pertencer ao indivíduo
como tal, o civis, por envolver a
participação nos destinos de sua comunidade, e o socius, por significar a igualdade básica entre todos os homens (p.
254)
Especificamente em relação ao direito
civil, segundo Cury (2002) a instrução básica permite aos indivíduos adquirirem
a possibilidade de se autogovernarem como sujeitos livres e capazes de
participarem da sociedade em que vivem, fundamento, portanto, para a própria
democracia. Por este motivo é admitida a sua obrigatoriedade e sua sobreposição
à livre escolha, ou seja, do próprio direito civil, na condição também de um
dever.
Sendo, ainda, a educação considerada “uma
herança dos tesouros da civilização humana” (p.248), não sendo possível
herdá-la, ela deve ser, por princípio, gratuita, uma vez que não se pode
admitir que nenhum ser humano não tenha acesso a essa bagagem e provida pelo
Estado, pela compreensão de que assim se garantiria a todos um mínimo de
conhecimento igualitário (CURY, 2002).
Isto posto, propomos aqui a reflexão
do quanto, ainda que a Educação não seja reconhecida como um dos elementos do
sistema de Proteção Social brasileiro, constituído por Saúde, Assistência
Social e Previdência Social, pode-se considerar a garantia do direito à
educação como um elemento fundamental e intrinsicamente relacionado com a
Proteção Social, uma vez que seria, de certa forma, a base para o seu exercício
cidadão.
Em
um país como o Brasil, no qual a garantia da escolarização em todo o seu ciclo
básico não está garantida a uma parcela da população, representado
numericamente em 2019: mais da metade (51,2%) da população adulta, com mais de
25 anos, do país, não havia concluído todo o processo de escolarização; haviam
6,6% (11 milhões) de analfabetos e 17,6% de analfabetismo funcional; das
pessoas entre 14 e 29 anos, 20,2% não haviam completado alguma etapa da
escolarização, por abandono escolar ou mesmo por nunca terem frequentado a
escola; índices aos quais se somam os dados relacionados à distorção
idade/série e de processos de evasão e abandono escolar, sobretudo durante o
Ensino Médio (IBGE, 2020) e que corroboram a afirmação de Bittar e Bittar
(2012) de que a democracia brasileira permanecerá carente de conteúdo social
enquanto não cumprirmos o desafio de uma educação básica pública de qualidade e
que proporcione, para todos, as mesmas oportunidades, tendo em vista que a
aprendizagem e a formação crítica são parte fundamental para a participação na
vida nacional. Ainda, vale ressaltar que, conforme indicam alguns estudos (UNICEF,
2021; SALDAÑA, 2021), que tais índices educacionais foram agravados com a
pandemia de CoVID-19.
É nesse sentido que fazemos uma defesa da
necessidade de que profissionais que atuem na Proteção Social, especialmente em
serviços dos setores de Saúde e Assistência Social, que possuem capilaridade nos
territórios, tenham uma ação, também com vistas à garantia do direito à
educação, uma vez que se faz necessário um trabalho territorial por fora da
escola e com a vida cotidiana que acontece fora dela, a fim ressignificar a
educação e a escolarização. Particularmente terapeutas ocupacionais, atuando
como articuladores sociais (BARROS, GHIRARDI, LOPES, 2002), visando, pela
perspectiva da terapia ocupacional social, a garantia dos direitos de cidadania
e a promoção de autonomia e emancipação pessoal e coletiva dos sujeitos com os
quais trabalham, podem se utilizar de estratégias que contribuam com a garantia
e ampliação da escolarização da população brasileira (PAN, LOPES, 2022).
Evidentemente que se faz necessário a discussão sobre a imprescindibilidade de que as escolas e suas equipes melhor se articulem com os equipamentos e serviços dos territórios nas quais estão inseridas, bem como sobre a importância de ampliação das equipes de trabalho desses serviços, pois a intenção aqui não é apontar demanda de trabalho que possam sobrecarregar profissionais, mas sim, antes de tudo, uma reflexão sobre as possibilidades de um trabalho que, com o investimento necessário, pudesse se desenvolver efetivamente de forma intersetorial. Contudo, o que se pretende aqui é fazer uma breve reflexão sobre a correlação entre Educação Básica e Proteção Social, os desafios postos para a efetivação da democracia brasileira e as possibilidades de contribuições técnico-profissionais na construção desse projeto.
Referências
BARROS, D. D. GHIRARDI, M. I. LOPES, R. E. Terapia Ocupacional Social. Rev. Ter. Ocup. Univ. São Paulo, v. 13, n. 3, p. 95-103, 2002.
Bittar, M., & Bittar, M. História da Educação no Brasil: a escola pública no processo de democratização da sociedade. Acta Scientiarum. Education, v.34, n.2, 2012, 157-168.
CURY, Carlos Roberto J. Direito à educação: direito à igualdade, direito à diferença. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 116, p. 245-262, 2002.
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio. PNAD, 2020.
MARSHAL, Thomas H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
Pan, L. C.; Lopes, R. E. Ação e formação da terapia ocupacional social com os jovens na escola pública. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 30, 2022
SALDAÑA, P. Cerca de 4 milhões abandonaram estudos na pandemia, diz pesquisa. Notícias: Folha de São Paulo. Acesso Em 13/06/21. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2021/01/cerca-de-4-milhoes-abandonaram-estudos-na-pandemia-diz-pesquisa.shtml
UNESCO. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Education finance watch 2021. UNESCO, 2021. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000375577
UNICEF. Fundo das Nações Unidas para a Infância. Enfrentamento da cultura do fracasso escolar: reprovação, abandono e distorção idade-série. 2021. Acesso em 14/06/21. Disponível em: https://trajetoriaescolar.org.br/
Texto escrito por:
Lívia Celegati Pan - Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
Email: liviapan@ufscar.br
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