A inserção de terapeutas ocupacionais no Sistema Único de Assistência Social em Santos/SP em diálogo com a Terapia Ocupacional Social: breve histórico e desafios atuais
Descrição
da Imagem: fundo metade na cor laranja e a outra verde, com a informação: A
inserção de terapeutas ocupacionais no Sistema Único de Assistência Social em
Santos/SP em diálogo com a Terapia Ocupacional Social: breve histórico e
desafios atuais, ao final logo TOnoSUAS no formato de uma mandala em tons de
laranja. #Paratodosverem
Apresentação
Para dizer sobre a inserção de terapeutas ocupacionais no Sistema Único de Assistência Social em Santos/SP se faz necessário contextualizar brevemente os movimentos precursores desta inserção a partir de experiências na relação entre o curso de terapia ocupacional da Unifesp, especificamente o núcleo de terapia ocupacional social, e a Secretaria de Desenvolvimento Social que antecederam as autoras deste texto. Também cabe informar que neste texto, em formato narrativo, buscou-se sintetizar algumas reflexões produzidas em conjunto, a partir de encontros periódicos que tem se configurado como espaço de estudos, reflexão e estreitamento da relação entre Universidade e terapeutas ocupacionais trabalhadoras do SUAS que ingressaram nos últimos 12 meses na referida política pública, tratando-se então, de múltiplas vozes aqui representadas.
Breve histórico da relação TO Unifesp e Secretaria de Desenvolvimento Social
O município de Santos, litoral sul de São Paulo, junto a outras oito cidades compõem a Região Metropolitana da Baixada Santista. O curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) teve início em 2006, como parte da implantação do campus Baixada Santista da Unifesp que se deu em parceria com a Prefeitura Municipal de Santos, como primeiro campus de expansão fomentado pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). Desde a implantação do curso de Terapia Ocupacional em Santos, foram muitas as estratégias de diálogo e trabalho conjunto com a Secretaria de Desenvolvimento Social (SEDS), que executa a PNAS no município, e as experiências tecidas na relação com diferentes atores (equipes técnicas, gestores e usuários do SUAS) em diferentes níveis da proteção social. Neste relato, reitera-se o foco da relação entre a Política de Assistência Social com o núcleo da terapia ocupacional social, pois há outras experiências produzidas a partir de serviços como Residência Inclusiva ou mesmo Acolhimentos Institucionais voltados à criança e adolescente que se deram ancoradas em outros referenciais teórico-metodológicos.
Dentre as experiências produzidas junto à SEDS a partir da terapia ocupacional social da Unifesp, cabe destacar aquelas descritas por Borba e colaboradoras (2017), que descrevem algumas das experiências a partir de estágios ocorridos entre 2011 e 2014 na relação tanto com a proteção básica como a especial. Outras experiências descritas que implicaram docentes da terapia ocupacional social e de serviço social e SEDS referem-se às atividades de ensino, pesquisa e extensão ocorridas entre 2018 e 2020 que resultaram na produção do censo da população em situação de rua (BAIERL et al, 2020), estas mais fortemente ligadas à proteção especial; entre outras tantas experiências realizadas a partir de estágio e extensão universitária ainda não sistematizadas. Nos diferentes momentos das respectivas parcerias e construções conjuntas entre docentes da terapia ocupacional social da Unifesp (a saber, Samira Lima Costa, Patrícia Leme de Oliveira Borba, Débora Galvani e Gabriela Pereira Vasters), foram tecidos diálogos junto aos diferentes níveis da gestão na SEDS a fim de projetar um horizonte de contratação de terapeutas ocupacional para compor o trabalho no SUAS em seus diferentes níveis de proteção social, o que de fato se efetiva conforme narrado a seguir.
A inserção de terapeutas ocupacionais no SUAS em Santos/SP
Os esforços descritos no artigo de Borba e colaboradoras (2017) para a construção de estágio profissionalizante a partir de projetos de extensão em parceria tanto com a Proteção Social Básica quanto com a Proteção Social Especial e estreito diálogo com a gestão culminaram com a contratação das primeiras terapeutas ocupacionais no SUAS por meio de concurso público[1]. Em 2015, duas terapeutas ocupacionais foram nomeadas para atuar junto às pessoas em situação de rua; uma lotada em um programa municipal, não tipificado, voltado à inclusão produtiva de pessoas em situação de rua e a outra, integrando inicialmente a equipe do Centro pop (primeiro como parte da equipe técnica e posteriormente como chefia) e depois sendo lotada em uma Casa de passagem. Contudo, entre 2020 e 2022, as duas profissionais mudaram de lotação para o setor da Saúde justificado, entre outros desafios do cotidiano do trabalho, por maior aproximação com este campo. Ainda assim, no período de trabalho no SUAS, cabe destacar a importância deste percurso para a consolidação da categoria profissional na composição das equipes do SUAS e no bom desempenho em espaço de chefia. Ademais, foram grandes parceiras na relação com a Universidade pela contribuição na formação de estudantes a partir dos estágios profissionalizantes e projetos de extensão, na composição de espaços de discussão de textos, supervisão e ações conjuntas.
Em 2022 foi aberto novo concurso público para terapia ocupacional no município. Arriscamos dizer que este se deu como fruto dos múltiplos esforços e mobilizações: de terapeutas ocupacionais do município e de docentes da área de terapia ocupacional social do curso da Unifesp, somados aos apoios de diferentes parceiros de outras profissionalidades das equipes da Assistência Social e da Saúde. Ainda que o conteúdo da prova estivesse voltado exclusivamente para o setor da Saúde, as três primeiras terapeutas ocupacionais classificadas foram lotadas na Secretaria de Desenvolvimento Social, em uma primeira chamada ocorrida em Outubro de 2022. Destaca-se que as três profissionais foram direcionadas para um programa municipal não tipificado voltado à inclusão produtiva de usuários do SUAS encaminhados por seus serviços e equipes de referência.
Desde então, outras seis terapeutas ocupacionais também foram designadas para a política de assistência social, contudo: quatro assumiram o cargo, uma declinou e uma está pleiteando a conciliação do cargo com outra atribuição. Assim, a distribuição de inserção das terapeutas ocupacionais no SUAS em Santos/SP (que assumiram via concurso público), na presente data, se dá conforme representação abaixo:
Proteção
Básica |
Serviço de
PSB no Domicílio para Pessoas com Deficiência e Pessoas Idosas (vinculado ao
CRAS) |
1 TO |
Proteção
Especial de Média Complexidade |
Centro dia
para idosos |
1 TO |
Medida
Socioeducativa em meio aberto (vinculado ao CREAS) |
1 TO |
|
Proteção
Especial de Alta Complexidade |
Casa de
passagem |
1 TO |
Não
tipificados |
Programas
de inclusão produtiva (público oriundo dos três níveis de proteção social) |
3 TOs |
A distribuição acima aponta para uma inserção de terapeutas ocupacionais mais diversificada quanto a públicos ou grupos sociais e suas problemáticas, territórios onde se localizam os serviços e os níveis da proteção social em relação ao início da contratação desta profissionalidade em 2015 - em que o grupo social de trabalho era exclusivamente pessoas em situação de rua e em um mesmo território do município (centro-histórico).
Desafios e reflexões sobre e para a consolidação do trabalho da terapia ocupacional no SUAS
Neste cenário atual, alguns aspectos merecem destaque por nos convidar à reflexão sobre os desafios colocados. A escrita deste breve relato configura um primeiro exercício importante de organização de nossas discussões e análises que, embora ainda incipientes, serão adensadas em momento oportuno. Isto dito, partilhamos abaixo alguns destes pontos:
- As terapeutas ocupacionais percorreram, em suas trajetórias profissionais, diferentes áreas de atuação junto a diferentes grupos sociais e contextos de trabalho, em sua maioria no campo da saúde mental e atendimento em clínicas privadas voltadas ao TEA, de modo que para todas tem sido uma importante tarefa a apropriação da PNAS tanto em seus objetivos e princípios, quando em sua forma de organização no município. Ainda que algumas tragam em seus repertórios e experiências prévias conteúdos que contribuam com o trabalho na Assistência Social, de fato, os deslocamentos para compreender as especificidades desta política social se fazem necessária para construir não apenas uma prática pertinente ao seu atual contexto de inserção, mas também a construção de lentes teóricas que contribuam para a análise das questões sociais e das contradições colocadas neste momento de forte corrente neliberal;
- dentre as sete terapeutas ocupacionais lotadas na SEDS atualmente, seis são egressas da Unifesp. Este é um dado importante em, ao menos, duas dimensões. A primeira se refere à responsabilidade da Universidade pública em formar profissionais qualificados que, comprometidos técnica, ética e politicamente, contribuam para equacionar as problemáticas loco-regionais e para a efetivação das políticas sociais e para a interrupção de processos que produzem as desigualdades. Contudo, ficou evidente a lacuna na formação uma vez que o currículo do curso de terapia ocupacional da Unifesp segue hegemônico para o campo da saúde e, conforme também evidenciado[2], ainda possui pouco em seus conteúdos curriculares sobre a formação para o trabalho no SUAS. Outra dimensão que se destaca é a importância de, somado ao principal objetivo de um curso de expansão do Reuni que busca a ampliação do acesso e permanência no ensino superior, reafirma-se também a importância de, de fato, a região da Baixada Santista incorporar terapeutas ocupacionais no quadro de servidores públicos para as políticas sociais. Ainda que tenhamos horizontes esperançosos de ampliação de concursos públicos na região, até o momento apenas Santos tem ampliado a inserção da nossa categoria profissional na política da Assistência Social via concurso público. Um levantamento mais apurado se faz necessário para identificar as inserções de terapeutas ocupacionais no SUAS a partir da contração via parcerias público-privadas e conhecer as especificidades destas relações;
- apresenta-se como importante desafio a construção do trabalho da Terapia Ocupacional no SUAS na dialética entre o que é comum do trabalho a todas as profissionalidades e o que é específico da profissão, principalmente em equipes que antes não contaram com a presença de terapeutas ocupacionais. Tais reflexões tem se dado gradualmente na medida em que tem se ocorrido a apropriação das profissionais sobre seus contextos de trabalho, públicos e demandas. Destaca-se como importante estratégia a configuração de encontros periódicos entre as terapeutas ocupacionais e uma docente do curso de terapia ocupacional e a participação em unidades curriculares da Unifesp, possibilitando o estudo de diferentes produções sobre a terapia ocupacional social no SUAS, incluindo a recente tese de Bezerra (2023) que versa sobre a equipe multiprofissional no SUAS. E ainda, iniciou-se coletivamente um exercício de sistematização sobre o trabalho cotidiano das profissionais em seus respectivos serviços e programas, refletindo uma importante busca por adensamento teórico e reflexão sobre as práticas e contextos de trabalho.
- outro aspecto recorrente nas reflexões sobre os desafios para o trabalho da Terapia Ocupacional a partir do SUAS é lidar com as contradições colocadas na disputa entre os diferentes projetos de sociedade e concepções do trabalho na Assistência Social. Em um município cujo governo (não apenas a gestão pública, mas também parte expressiva de servidores públicos e sociedade civil) manifesta forte tendência neoliberal e higienista, há que se atentar para que as políticas sociais, especialmente a de Assistência Social, não sejam utilizadas no sentido de desresponsabilizar o Estado e culpabilizar sujeitos e famílias.
- Por fim, o estreitamento da relação entre as terapeutas ocupacionais que hoje compõem as equipes do SUAS em Santos/ SP com o curso de terapia ocupacional da Unifesp tem possibilitado, como já mencionado, a construção de espaços regulares de partilha, de estudos e adensamento teórico (principalmente a partir da terapia ocupacional social), de reflexão sobre o cotidiano de trabalho no sentido de não apenas pensar o trabalho no SUAS, mas também de provocar a Universidade sobre seus processos formativos para a Assistência Social, seja na necessidade de revisão do currículo, de diálogo entre diferentes campos teóricos que atuam no SUAS, da retaguarda da Unifesp na formação para as futuras preceptoras de estágio e, assim, contribuir na construção de campos de estágios profissionalizantes sensíveis e atentos às especificidades do contexto e demandas locais que se intensificam (como os grandes contingentes da população em precariedade de condições de moradia ou ausência destas, aumento da população idosa em situação de vulnerabilidade e isolamento social, intensificação da precarização das condições de trabalho, entre outros) de modo que a presença dos estágios também fortaleça o trabalho da terapia ocupacional na equipes.
Uma breve avaliação deste percurso nos permite celebrar a chegada de sete terapeutas ocupacionais via concurso público para compor o trabalho no SUAS nos últimos 12 meses, ainda que tardiamente em relação ao que já se tem de dados sobre a inserção de nossa categoria profissional na Assistência Social (OLIVEIRA; PINHO; MALFITANO, 2019). A composição das profissionais em diferentes níveis da proteção social, localizadas em diferentes territórios no município de Santos e atuantes junto a diferentes públicos e demandas também aponta para um momento de maior reconhecimento da área que pode ser devido tanto aos acúmulos de experiências exitosas e esforços no diálogo e lutas coletivas da categoria, mas também pelo aumento da complexidade das demandas do público beneficiário da referida política pública, não excludentes entre si. De qualquer modo, está colocado o desafio de seguir ampliando os espaços de inserção e qualificando o trabalho da terapia ocupacional no SUAS em Santos e Baixada Santista, comprometidos radicalmente com a transformação social.
REFERÊNCIAS
BAIERL, L. F., et al. Relatório parcial do censo da População em Situação de Rua: contagem da rua, condições de vida e desigualdades sociais em questão. Santos, SP, 2020. Disponível em: https://www.unifesp.br/reitoria/dci/images/DCI/Relatorio_Censo_Santos_2020.pdf.
BEZERRA, W. C. O fetiche sobre a equipe Multiprofissional no Sistema Único De Assistência Social no Brasil: análise a partir do trabalho de terapeutas ocupacionais, psicólogos/as e assistentes sociais. Tese (doutorado em Serviço Social) – Faculdade de Serviço Social, Universidade Federal de Alagoas. 2023. p.174-199.
BORBA, P.L.O. et al. Entre fluxos, pessoas e territórios: delineando a inserção do terapeuta ocupacional no Sistema Único de Assistência Social. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, São Carlos, v. 25, n. 1, p. 203-214, 2017.
OLIVEIRA, M.L.; PINHO, R.J.; MALFITANO, A.P.S. O cenário da inserção dos terapeutas ocupacionais no Sistema Único de Assistência Social: registros oficiais sobre o nosso percurso. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, v.27, n.4, 2019.
Texto Elaborado por:
Ana Lua Sarmento Rauber (SEDs Santos)
Camila Gomes Correa Medeiros (SEDs Santos)
Carla Gonçalves (SEDs Santos)
Daniele Ribeiros Santos (SEDs Santos)
Ingrid Cristine Fonseca (SEDs Santos)
Isabelle Felisberto (SEDs Santos) Suliane de Lima Silva (SEDs Santos
[1] Cabe contextualizar que no município a política da assistência social é executada via administração direta (serviços públicos) e indireta (entidades conveniadas). Já houve terapeutas ocupacionais atuando em serviços conveniados (como em Residência Inclusiva ou centro-dia). Contudo, reitera-se o recorte deste relato na relação com terapeutas ocupacionais da administração direta, ou seja, servidores públicos. Nestas experiências, todas lotadas em serviços ou programas de diálogo com a terapia ocupacional social.
Comentários
Postar um comentário